Pintura de Sílvia Mota Lopes
Conheci a Graça há cerca de 15
anos. O meu primeiro contacto foi com a sua palavra escrita, através do seu
blogue, “Ortografia do Olhar”.
Recordo-me ainda do impacto do
primeiro poema. Fui sacudida por um susto feliz, um espanto profundo, qual
advertência, um recordatório da minha capacidade de sentir o eco ampliado de um
poema.
Foi desde sempre este poder que
me cativou na sua poesia. Impossível não acolher no coração o vibrante ritmo da
sua ondulação, impossível não lhe abrir as artérias dos sentidos e deixá-la
fluir por tudo quanto em nós é vida.
Comecei desde logo a olhá-la como
uma “mãe poética”, queria ser como ela quando “crescesse”. A sua forma única de
sublimar a simplicidade, de desconstruir as emoções e com os destroços
reconstruir poemas repletos de significados profundos, não é algo que
encontremos com frequência. Na poesia de Graça Pires tudo é genuíno e puro, não
há filtros fúteis, nem buscas intelectualmente acessórias para nos distrair do
essencial. Tudo é poesia no seu estado mais depurado, sem interferências de
outra ambição que não a do “grito” poético. As aspas servem aqui para ressalvar
que o seu grito, às vezes tão doído, quase sempre inconformado, pontualmente
feliz, é, em tantos momentos, quase mudo, e, noutros, quase silêncio, de tão
fundo nos cai na alma.
O primeiro encontro com a pessoa
para lá da poeta trouxe-me uma lágrima de alegria. O abraço em que nos
encontramos é sempre terno, emocionado, desde sempre até hoje.
Sou sua editora desde 2014, desde
o seu maravilhoso livro Espaço livre com barcos, onde somos assoberbados com
esta avassaladora síntese biográfica:
Eu te baptizo em nome do mar,
disse minha mãe com barcos na
voz. E as ondas enlearam nas águas o meu nome, abrindo nas fendas do corpo um
impulso salgado que me brandiu o sangue. Sei agora que há âncoras afogadas nos
meus olhos: nítido eco de todas as demandas.
Aquando da apresentação do seu
livro O improviso de viver, referi-me a essa obra como uma “uma incursão pela
vida, pela sua intensidade, pelos seus meandros e enredos, pelas memórias,
pelas coisas do mundo, também, pelo que dói, às vezes, no mundo”.
Qual o som do mar me questiono
qual o som do mar tão saturado de
mortos?
Que sinos soarão por eles?
Quem fará a oração o sinal da
cruz o requiem?
Penso que esta consideração se
poderá aplicar a toda a obra desta autora tão inteira e íntegra, tão consciente
de si e da humanidade.
Há pessoas que apenas por
entrarem na nossa vida nos mudam, não por algo que façam, mas simplesmente pelo
que são. E não mudam o nosso comportamento, ou a nossa atitude perante o mundo,
ou a nossa visão das coisas. Mudam a forma da nossa alma, acrescentam linhas
aos seus contornos.
A Graça é uma dessas pessoas, e
por isso lhe serei eternamente grata, e por isso é indizível a minha admiração
por ela.
Virgínia do Carmo, Poeta e
Editora
In: Rostos inabaláveis, Lisboa:
Poética, 2015, p. 70-72
