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quinta-feira, 14 de julho de 2022

A POESIA MOVE-SE NA SOMBRA?


 

A poesia move-se na sombra? Lisboa: Edição digital, 2022


O pequeno livrito “A poesia move-se na sombra?” é ele próprio um poema. Um poema que pretende levar-nos a gostar de poesia, demonstrando até que ponto estamos envolvidos por ela, de que modo ela nos envolve e acaba influenciando a vida de todos nós, mesmo daqueles que proclamam aos quatro ventos que não gostam de poesia…

Dizer-se que se não gosta de poesia é prova provada de que não se conhece o suficiente de poesia para ter encontrado “aquela” que nos cai no goto, aquela que nos toca o coração.
Este livrito pretende – e consegue, quanto a mim – abrir-nos os horizontes poéticos, mostrar-nos que há tantas variedades, tantos temas poéticos quantos os poetas e os poemas. Cada um deles é um mundo novo que a Graça nos desafia a explorar.

Experimentem ler este poema em prosa. Verão que começarão a gostar de poesia – ou a amá-la ainda mais.

José Pires

E-mail, 16 Maio 2022




Boa noite doce Graça


Acabei agora de ler o seu pequeno (grande) livro!
Adorei!
Que jardim maravilhoso!
Que pena não ter avançado com a ideia de o publicar.
Está espectacular e de uma generosidade sem tamanho.
Só uma pessoa como a doce Graça, para partilhar um jardim cheio de grandes poetas, de querer dar eles a conhecer aos nossos jovens.
Grandes poetas, imagino o acto de amor que foi ter escolhido estes, no meio de tantos poetas maravilhosos que temos.
Adorei a sua escolha, o meu Torga, não faltou.
Todos eles merecedores de serem ,"degustados" pelos nossos jovens.
Como se pode aceitar que não gostam de poesia, se nunca " provaram"?!
Parabéns doce Graça.
Este acto seu de bem querer, eu vou dar a provar aos meus netos.
Sei que vai ser uma grande ajuda, pois tenho neste livro, os melhores por onde começar.
Receio que estas minhas palavras, não sejam suficientes para lhe dizer o quanto gosto deste seu livro.
Deixo por isso, um abraço sem tamanho e muitas, muitas brisas doces.

Teresa Soares

E-mail, 9 novembro 2022


Venho dizer-te que foi agora que decidi apresentar aos meus alunos seniores o teu livro online "A poesia move-se na sombra?". Pensei que o pudesse apresentar numa sessão de duas horas, mas o interesse foi tanto, que não consegui. Temos feito uma leitura comentada, pausada, parando com frequência para reflectirmos em conjunto. E tenho achado muito curioso constatar como aquele grupo de pessoas - quase todas com cursos superiores - aderem com tanto entusiasmo a um trabalho que, como dizes, foi feito a pensar nos jovens! Alguns destes seniores mostraram interesse em ter o texto antes do nosso encontro quinzenal para, após uma leitura mais atenta, melhor poderem levantar questões e debater ideias. E, na verdade, nessa sequência, realizaram-se debates muito interessantes e o âmbito de visão acerca do que é Poesia ficou certamente alargado. Parabéns, Graça! E continua! Sempre.

Mª Celeste Alves

E-mail 1 Abril 2023


sábado, 18 de junho de 2022

ANTÍGONA PASSOU POR AQUI

 



Antígona passou por aqui. Lisboa: Poética 2021



Três sentimentos incontornáveis na leitura deste livro

                       

- Intimidade - logo no prólogo misterioso

 

            uma cadeia de vocábulos no labirinto do texto,

            onde soletro a intimidade de tudo o que amei.

 

- Ausência de indiferença

 

- Sofrimento e inconformismo - não apenas sentir e sofrer, mas gritar!

 

Como ler poesia?

Tentar descobrir o que levou a Poeta a escrever as palavras? Cuscar?

Toda a escrita é autobiográfica, mas num sentido diferente do óbvio: procurar na Poesia não o que sentiu a Poeta, mas o que as suas palavras nos fazem sentir.

A poesia de GP é tão misteriosa quanto a tragédia de Sófocles: Antígona e o seu conflito entre a lei divina e a lei humana, ou entre a ética e a lógica do poder, deram e continuam dar origem a múltiplas interpretações.

 

Por exemplo, autores mais retrógrados acharam que o empenho de Antígona em dar sepultura ao irmão faz dela uma heroína masculina. Outros acharam que esse empenho, que foi ao ponto da revolta, da desobediência e do martírio, é um sinal de feminilidade e uma homenagem à sensibilidade e força da mulher.

 

A Antígona de Sófocles é a tragédia da maldição e da ilusão do poder.

 

E a Antígona de GP?

 

Já conhecemos, de livros e poemas anteriores, que GP é tudo menos indiferente ao que a rodeia. Mas este livro não é sobre a crua realidade do mundo. É mais uma viagem intimista ao passado e ao presente.

 

Não que o mundo esteja ausente…

 

Um súbito silêncio, mais que suspeito, encobre a morte das luas no olhar daqueles que, pela noite dentro, usam a cegueira para poderem atravessar as estrelas. Existem contornos de liturgia na perturbada desordem que estilhaça a luz em sua inexplicável inclinação.

É escusado torcer as mãos junto ao caos que nos circunda quando contracenamos com o cosmos a hierofania consentida em olhos visionários. (24)

 

Sobressalto-me com a desordem do meu rosto. Talvez me seja impossível entender tudo o que é irremediável. Um desafio reencena no meu coração sem fronteiras um jogo de máscaras sombrias, descarnando até ao grito a solidão do mundo. A solidão do abandono, da fome, do medo. A solidão sem fuga, sem endereço. Com sons fúnebres. Com mãos cegamente desvairadas. Com ruas negras. Com ventos malditos. Sem sobreviventes da desolação e da intriga tecida pela crueldade. Uma vegetação de mágoas assumindo desastres e demências. Um porvir aberto à impiedade dos deuses e dos homens, num diálogo de palavras mudas. (51)

 

Perto do chão há gritos aferrados à vida e à morte. Há partos e perdas dolorosas. Há o urgente fôlego de cada nascente junto às pedras com nervuras de erosão e luz a depurar o reflexo da água. Há flores e bichos. Há raízes de árvores e de plantas e musgo e alfazema e cardos e fenos. Há campos repousando do cansaço da terra. Perto do chão onde me ajoelho, há o reino subterrâneo da noite em conflito tenso com o dia, numa dialéctica posta à prova por olhares videntes. (20)

 

Em todo o caso, a dura realidade do mundo é neste livro apenas um pano de fundo. Neste livro, o olhar que predomina é para dentro. É uma viagem introspetiva, ou, dito de outro modo, uma exteriorização do interior.

 

Inevitavelmente, o recurso às memórias, o regresso à infância:

 

Convoco-me para os lugares da infância, meu paraíso tão desmoronado, tão precocemente desaparecido. Um anjo austero apoderou-se de mim enquanto eu escondia nos bolsos os berlindes coloridos.

Quis nascer de novo. Da mesma mãe. Com o mesmo pai. Mas num tempo sem infâncias desamparadas, sem deuses distraídos na cadência das horas lentas.

Aprendi que há noites em que as canções de embalar arranham a garganta das mulheres atentas às sombras espalhadas no coração. (11)

 

Insinuada na linguagem do sangue, a casa permanece. Esta, onde entras para te reencontrares. Olhas os móveis. Fitas os olhos no chão e o soalho range com o aperto do olhar, como um eco dos teus passos. Demoras te. Entregas-te à irrealidade de pretéritos rumores, ao alarme de uma distância que não alcanças.

E recuperas o deslumbramento de seres criança e de saberes que de qualquer janela se pode ver o mar. (37).

 

No pausado enredo onde absorvo a estranheza de uma meninice reinventada, irrompem branquíssimos lírios. …

           

Hoje acordei e voltei a adormecer no teu colo, mãe.

A manhã inclinada nos teus olhos purificou-me a respiração. Tenho o meu rosto tão perto do teu que, da tua ausência, apenas sei que é uma estrela a pulsar no firmamento e um fio de luz que procuro em momentos sombrios.

Pertence-me agora esta solidão de janeiro colada ao teu silêncio. Guardo no olhar a transparência dos teus olhos, a mitigar-me a inquietude do coração. Entreteceste em mim todos os gestos do amor. Nunca indecisos. Nunca minguados. Nunca interrompidos. Sinto que são as tuas mãos que amparam as sombras que me seguem. (12)

 

A viagem intimista prossegue. Mãe e filha separam-se

 

            - Onde estás mãe?

            - Tem cuidado contigo. Filha! (14)

 

E o colo quente da mãe é substituído pelo frio da cidade:

 

Avisto-me então em cidades onde as ruas são ruidosas. Como se fossem caóticos todos os pontos de fuga. Como se aos gestos de uns se sobrepusessem os gestos dos outros. Sem diálogo. Num enredo em tempo impreciso. Onde as sombras se tornam turbulentas e precedem, e perseguem, e se apropriam de outros corpos, extenuados pela manipulação suportada em noites ameaçadas de vazio. (15)

 

E aqui, descobrimos a mulher irredutível que não cede ao conformismo.

 

Nunca aceitei os reveses. Nem é deles que falo aqui. Aqui, por onde deixo passar antígona: aquela que não aprendeu a ceder aos desastres, aquela que nasceu para o amor, não para o ódio. (16)

 

Ajoelho-me na terra, vulnerável e insubmissa. (20)

 

 

 

Mas GP não é Antígona. Apenas a deixa passar, apenas se identifica com a opção pelo amor.

Ah, sim o Amor! É o tema primordial deste livro, que nos brinda com as palavras de beleza pura da página 18:

 

 

Não esqueço as noites em que o desejo doía tanto quanto a incontida alegria de um abraço.

 

Olhar para ti e ver-te melhor dentro de mim. O teu nome tão intacto no meu nome a devolver-me o verão do teu olhar nascente, onde me reconheço, presa que fiquei das tuas mãos recolhidas nas minhas.

Falar-te de amor.

Recuar à palavra primordial. Ao gesto terrivelmente frágil da mais frágil ternura. Engolir o aguaceiro breve dos teus olhos para degustar a sede. Pronunciar o nome certo até recuperar os dias da paixão. (18)

 

Ou este verso sublime que vai ficar para as todas as antologias, da poesia, da psicologia, da cardiologia…

 

            Intermitente, o coração procura no amor o batimento certo. (27)

 

O coração é também o motor da escrita:

 

Com minhas mãos povoadas de acenos, toco a face intocável das memórias. E escrevo. Escrevo a síntese de íntimos silêncios para que não se banalize a minha voz diferida. (26)

 

Semelhante a um primitivo nómada, guardo comigo o fogo da poesia, para que nunca se extinga e me seja confissão e esconderijo. (45)

 

A viagem intimista pelas memórias da vida exprime-se com imagens náuticas. O mar está presente em várias páginas. O mar, os barcos, a costa, o naufrágio.

 

O mar ficará também como o fiel depositário das memórias de uma vida:

 

Depois de eu morrer haverá o rumor do meu olhar luzente sobre o mar mais intranquilo. (36)

 

 

Mas este olhar não é o olhar de Antígona. O propósito é deixar passar Antígona, observá-la e ir mais além.

 

Não sigo antígona. Interiorizo apenas a inquietante aflição e a desmesura de um conflito tão tremendo, tão sacrificial. (50)

 

Escrevo o meu nome sobre o martírio de antígona para não ser punida por deuses ciosos da minha consciência. (65)

 

As palavras de GP deixam claro que não quer ser Antígona.

 

Rendem homenagem à coerência e ao inconformismo, mas acrescentam-lhe a recusa do martírio e da rendição.

 

Se Antígona legou coerência, GP acrescenta-lhe a resistência.

Não escreve para registar nostalgias, tristezas ou desencantos, escreve para lhes resistir. Para dizer que a palavra primordial – o amor – prevalece, apesar de tudo.

 

xxx

 

Há uma frase que evolui ao longo deste livro:

 

            Procuro o lugar onde começa o silêncio

 

Que silêncio é este?

 

A morte? (como se diz na página 66)

 

Será apenas o fim do ruído?

 

Será, finalmente, a desejada harmonia?

 

O silêncio das sementes, da melancolia das árvores, do restolho do trigo, do afago da terra (38)

 

Será a coerência entre o passado e o futuro?

 

O alinhamento astral entre o sonho e a realidade?

 

O silêncio da evasão?

 

Como se a linguagem se evadisse na incompletude dos sonhos. (44)

 

O profundo silêncio de deus. O celestial silêncio dos anjos (59)?

 

Este silêncio é tão misterioso quanto a Antígona de Sófocles, mas GP deixou pistas suficientes para que cada um de nós procure o seu silêncio.

 

GP superou Antígona e as controvérsias sobre essa figura.

Superou a tragédia.

 

O que lemos neste livro não são palavras de mulher vítima.

São palavras de mulher vitoriosa.

 

Mesmo que nos deixe este mistério da decifração do silêncio.

 

Mas o mistério faz parte da Poesia.

 

 

Carlos Campos

Apresentação do livro, 27 novembro 2021






De Ortografias Outras

 

Hoje, tempo de trazer a este espaço, o novo livro de Graça Pires - Antígona Passou Por Aqui.

Recebi-o, da parte da editora, há dois dias, embora a apresentação da obra tenha ocorrido já no passado mês de novembro. Sabemos, aqueles que a seguem no Ortografia do Olhar, que a lemos com regularidade e atenção, que a escrita da Graça Pires não é uma escrita circunstancial, de registo de momentos, de impressões conjunturais, mas uma poética pensada, enraizada na História, na Filosofia, nas Artes. Este livro composto por textos de prosa poética reflete o olhar da autora sobre temas universais e intemporais como a Vida e a Morte, o Amor, a Solidão, o Silêncio, abordados numa perspectiva que procura ostensivamente a revelação e valorização do humano. Por vezes, terra, por vezes, água, vento ou chama, esta é uma poética que nos leva, de pedra em pedra, pelos trilhos do pensamento lúcido até às portas da transcendência, através de uma linguagem poética sensível, concisa e depurada.

Numa análise, por mais breve que seja, é difícil não esbarrar na importância dada ao Feminino que emerge a partir da figura da mitologia grega, Antígona, chamada "a passar por aqui", dando conta dos seus traços de insubmissão perante as leis terrenas sobretudo se elas interferem com o Amor, (fraterno, neste caso).

 

Deixo este excerto, escolhido ao acaso:

Só as mulheres possuem a conivência das águas. Tão atarefadas sempre, as mãos das mulheres ficam por vezes vazias de afagos, quase ausentes e indecisas no esboço de desejos sem retorno. É então que aprendem a atear o fogo com a benevolência debaixo da língua e inventam um alfabeto transparente para descreverem com detalhe as madrugadas silenciosas.

 

GRAÇA PIRES, 2021 (p.35), Antígona Passou Por Aqui, Poética Edições.

 

Lídia Borges, poeta

Blogue “Seara de versos”, 17 Dez 2021







Minha Amiga e Enorme Poeta,

Acabei de ler o seu novo Livro que me deixou enlevada pela beleza e profundidade das palavras plenas de poesia, com que vai percorrendo a sua preciosa vida, tal como um rio que desde a nascente vai serpenteando vales e montanhas para chegar ao seu destino.
Sabe que não tenho conhecimento suficiente para fazer uma análise como gostaria.
O que sei é que gostei e muito e fiquei muito impressionada com o rigor das palavras com que descreve cada situação, que me prendeu à leitura desde o início ao final do livro.
Muito obrigada, minha Amiga Poeta, por me proporcionar ler tão bela Obra.
Os meus Parabéns e votos de muito sucesso. Bem merece.
Aproveito para lhe desejar e a sua Família um bom 2022, com muita paz e saúde.


Grande beijinho.
Ailime
Emília Simões, poeta

E-mail, 30 dezembro 2021







Novo ano, novos apegos literários.

No canto das leituras, vejo-me feliz quando as páginas inspiram uma constante vontade de seguir em frente.

Lançado em novembro do ano passado, com a chancela POÉTICA GRUPO EDITORIAL, «ANTÍGONA PASSOU POR AQUI» com a assinatura da amiga que estimo e muito admiro Graça Pires, trouxe-me um reflectir da inquietude constante de quem desafia o mundo das artes, e assina com orgulho os projectos nascentes.

Graça Pires um autora já com alguns prémios literários, escreve num abrir desafiador - "Procuro o lugar onde começa o silêncio".

O código convite leva-nos a traços culturais com uma dimensão apelativa e multiplicadora de reflexões atraentes.

- "No lado mais vulnerável da noite, onde me perco, sei que perto de um abismo se pode enlouquecer."

Continuando este mar de surpresas, " Só as mulheres possuem a conivência das águas", traduz junto dos leitores uma interrogação constante de momentos de poesia lançada em parágrafos de prosa, e esculpida com perfeição definidora.

- "Continuarei a definir o exíguo espaço de uma errância no culto da palavra."

Graça Pires escreve em olhares surpresa, monólogos sensíveis ou diálogos de odores pessoais e intemporais, mas sempre realistas na identificação do "eu" desejo, quero e posso definir o acto de cumprir elos personificados, e cumpridores do acto de escrever.

- "Divago na conflitualidade dos conceitos para ficar homónima dos versos, para me legitimar no poema."

Fica o convite de uma leitura do novo projecto literário de Graça Pires - «ANTÍGONA PASSOU POR AQUI».

 José Luís Outono, poeta

E-mail, 2 janeiro 2022





  

Cara Graça, escrevo-lhe para lhe agradecer a sua escrita no seu último livro,

a sua poesia há muito tempo que me parece muito depurada. Alguma vez falei com o Victor que seria justo que tivesse mais reconhecimento, mas o importante é esse amor que dedica a escrita e a poesia.

Queria-lhe dizer que de alguma maneira, algumas das ideias do seu livro conectavam com os poemas que eu estou a escrever, um poemário que se intitula "LENGUA MATERNA", por isso decidi que a citação que vai abrir o livro será, esta:

 

 Tenho no rosto as marcas da memória e debaixo

da língua as palavras maternas com que aprendi

a nomear a vida.

 

Estou muito contente com a leitura, espero que o meu livro possa sair este ano e poder-lho enviar. Estes dias vou tentar algum poema seu para o catalão,

 

um grande abraço e espero que tudo estiver bem,

 

José Ángel Garcia Caballero, poeta

 

 E-mail 18 janeiro 2022






Fiquei devendo comentários sobre seu livro, que li há algumas semanas. A sua prosa é tão poética quanto seus versos, e encontro nela não só o mesmo encanto, mas uma sonoridade ou musicalidade muito especiais que estão em tudo o que escreve, sendo isso obtido de maneira ao mesmo tempo mágica e espontânea, sem recorrer a artifícios como rimas ou aliterações.

De todas suas obras com que me presenteou, “Fui quase todas as mulheres de Modigliani” é minha favorita, seja pela originalidade da proposta quanto pelo resultado, além de ter como referência retratos de um dos meus artistas preferidos. Mas “Antígona Passou Por Aqui” é pródiga em maravilhas. Seria difícil selecionar alguma passagem como a mais encantadora nessa sucessão de páginas que surpreendem por encantos que se revelam através de paisagens, do mar ou de um universo onde o feminino impera com delicadeza e profundidade, em reminiscências e emoções que transgridem o silêncio com sutileza.

Porém, entre tantos momentos de sonho neste livro, não há como não salientar este fragmento, da página 16, que é um dos momentos de lirismo mais lindos que encontrei nessa minha extensa vida de leitor:

“Agora, neste flagrante momento da memória, recordo o teu vestido branco estampado de malmequeres.

O dia abria-se sempre inteiro no teu corpo, onde a adolescência ainda breve te concedia a leveza das crianças e dos pássaros.

Sei que é primavera quando os teus cabelos esvoaçam no desalinho da lembrança e o grito das flores irrompe das árvores em que balouçavas com alegria.

Sei o teu nome porque danças sobre o meu nome.

Sei onde moras porque o coração estremece quando te pressinto.”

 

Você diz “Há sempre o mar a cercar meus poemas, eu sei.” Eu afirmo que todas suas palavras estão ilhadas pela beleza.

 

Abraços.

 

José d'Angelo, poeta

 

E-mail 18 janeiro 2022

 







Querida Graça,

Nos últimos dias tenho andado a ler o seu livro, "Antígona passou por aqui". Finalmente! Devo terminar a leitura entre hoje e amanhã, mas quis vir já dizer-lhe o que tenho sentido em relação a esta sua obra.

Tenho sido guiado pela Voz que dita cada verso, como se fosse Perséfone que, no Submundo, sabe que já findou o tempo das flores, restando-lhe a memória da luz. Ou como se fosse Ariadne, a que não teme a escuridão do labirinto por saber como a enfrentar, pois está munida de um fio-guia. Os poemas deste livro remetem-me para estas narrativas mitológicas e arquetípicas, de mulheres que transitam no fio da navalha, como a própria Antígona. Vozes de quem caminha no centro, resistindo à tensão eterna entre a luz e as trevas, mas que não se deixam vencer quando sabem que terão de transitar pelo rigor da escuridão. Vozes que sabem forjar o seu próprio caminho. Único e inimitável. O livro traz-me uma voz de profunda soberania, não a soberania secular, sujeita às oscilações do tempo. Refiro-me à soberania primordial, a que é nossa por direito de nascimento, de quem é senhor e senhora de si. A soberania concedida pela Terra. E sinto, ao ler estes poemas, que este caminho (e caminhos) de que nos fala a Voz, é um caminho que se tornou sagrado, seguindo literalmente a etimologia da palavra "sacrifício": nada nele foi dado ou gratuito, foi percorrido sob o peso de muitas escolhas, de muitas recusas, de muita solidão. Mas é isso que lhe dá força e que o torna irrepetível, pois é real, cru, verdadeiro. A verdadeira soberania é sobre caminhos como este.

Gosto também das referências às mulheres, às mães, à Terra, do antigo conhecimento do sagrado da Mater, da Voz que se revela como sacerdotisa guardiã dos Mistérios. Há neste livro, como em nenhum outro que li seu, uma marca profunda pagã, ancestral, telúrica, ainda que guiada por anjos, por vezes.

Sinto muita proximidade e familiaridade com este seu livro. Tem sido muito comovente lê-lo, muito forte! Chego a ler cada texto três vezes de seguida e preciso de parar várias vezes, tal a força das imagens. Acho que posso dizer que é o seu melhor livro, de todos os que já li. Obrigado por esta dádiva, obrigado por ter criado uma obra tão bela e inspiradora. Lê-la é um exercício de aprofundamento interior e de expansão da Visão. E da escuta.

É sempre um privilégio e um maravilhamento lê-la, querida Graça! Mais ainda, é um privilégio ter-me cruzado consigo, e agradeço muito à teia da vida por nos irmos escrevendo e encontrando. Gosto muito de si!

Um abraço enorme, esperando que nos possamos encontrar em breve,


Samuel Pimenta, poeta

E-mail, 21 fevereiro 2022





Procuro o lugar onde começa o silêncio.


Convoco-me para os lugares da infância, meu paraíso
tão desmoronado, tão precocemente desaparecido.
Um anjo austero apoderou-se de mim enquanto eu
escondia nos bolsos os berlindes coloridos.
Quis nascer de novo. Da mesma mãe. Com o mesmo
pai. Mas num tempo sem infâncias desamparadas,
sem deuses distraídos na cadência das horas lentas...


Procuro o lugar onde começa o silêncio.
O silêncio da cintilação das sombras pelo chão.
O silêncio onde me esvaeço, na negritude da noite.


...Vem de tão longe, meus filhos. Vem do começo
sagrado dos tempos e do silêncio dos dias ao acaso, 
a grandeza de cada gesto. É preciso ter asas e deixar 
que o fascínio vos conduza até ao infinito, onde a avidez 
da vida inaugure no olhar o prodígio do espanto e a pura 
nascente de todas as sedes. ...

Procuro o lugar onde começa o silêncio.
O silêncio transparente do mar, dos barcos ao longe,
da sombra dos mastros, do brilho dos búzios.


Esbarro na sombra, na minha sombra, e alargo os
passos para encurtar a distância entre os barcos e a
ilha mais próxima, onde uso o declive certo do olhar
para deslindar a ausência da água em meus olhos 
secos pela maresia.
Procuro o silêncio desconcertante das madrugadas, 
com a luz ainda baça do orvalho a dissipar-se. 
...

Procuro o lugar onde começa o silêncio.
O silêncio das sementes, da melancolia das árvores,
do restolho do trigo, do afago da terra.


No impulso da manhã, o nevoeiro esfarrapa-se sobre
os arbustos, incerto e sem peso. É o momento em que 
o olhar não tolera a luz que incide sobre branquíssimas
açucenas. Digo pétala, e o perfume de cada flor
estremece no olfacto como um sismo brando, com
réplicas no chão flexível que me prende e torna
urgentes os caminhos repetidamente pisados. ...


Procuro o lugar onde começa o silêncio.
O imenso silêncio dentro de mim, na ansiedade das
palavras distantes, quando, sem aviso, ele se afunda
no meu peito insensatamente,  ...


Nas pontas dos dedos, uma insubmissa escrita teima 
na promessa de um poema com sílabas luminosas.
Escrevo silenciosos vocábulos, agora que a poesia se
detém no fingimento de entrelinhas, soletrando 
a febre nos lábios. Podem dizer de mim que nunca me
cansei das palavras porque foi com elas que me
aprendi inteira.
Regressa a mim, poesia!...


Procuro o lugar onde começa o silêncio.
O silêncio das montanhas azuis, da neve, das 
planícies eternas, das glicínias, do vinho maduro, da 
música de schubert, do coração dos pássaros
da fulguração da alba, ...

...O coração não cabe nas palavras quando a dádiva e o 
fascínio se confundem.
Distancio-me de mim. Um breve lume acende na lembrança
o prodígio da luz de maio.
E deixo que a emoção encontre a ânfora onde guardei o 
mel com que aclarei os gritos abafados no recato da noite.
Sinto ainda o cheiro do leite quente guardado em 
meus seios para delírio precoce da boca que sugou
a minha sede. ...

Procuro o lugar onde começa o silêncio
O profundo silêncio de deus. O celestial silêncio dos
anjos.

...
Em minha garganta dilato os gritos sangrantes que 
antígona não gritou para que ressoem em todos os 
templos, em todos os palácios, em todos os mares,
em todas as praias, em todas as planícies, em todas
as montanhas, em todos os desertos, em todas as
casas. Na cegueira de uma febre maldita e benigna.
No amor sem perdão dos homens e dos deuses. ...


Procuro o lugar onde começa o silêncio.
O silêncio definitivo da morte.
...

Procuro definir o eixo doloroso do espaço seguido
por antígona, feminina e livre, até à transgressão mais
tangível de um mundo nocturno.
Ela não chorou. Não dramatizou o lamento. Não
implorou aos deuses qualquer auxílio. Ela ficou
isolada, agarrada à compaixão sentida, em total
solidão. Lançada na treva, levou nos cabelos a
grinalda de uma morte ausente da morte: antinomia
alucinante, a antecipar a perda do paraíso. ...
 


Procuro o lugar onde começa o silêncio.

ANTÍGONA PASSOU POR AQUI numa pequena mostra das profundas palavras de GRAÇA PIRES. 

Assistimos a uma sentida homenagem, em prosa poética, a mais uma figura feminina, desta feita mitológica, Antígona, que atravessa os tempos e, nas devidas proporções, traz o seu rasto trágico até aos dias de hoje. 

Em Isadora, a autora entra-lhe na pele e transmite-nos as suas dúvidas, as  tristezas, a incompreensão dos contemporâneos perante a interpretação da arte que lhe preenchia a vida. Com Antígona embrenha-se no mundo antigo lê-lhe os pensamentos e os mitos, a sua forma de estar e de actuar, trazendo-o assim para o presente.

Sentimo-nos envolvidos, como que fazendo parte dessa travessia que nos atinge o âmago, num caminho de pedras percorrido com a garganta apertada de emoção. 

Busca de um silêncio que abafe a dor, mas que também faz ansiar pelo doce encanto da infância, não desamparada, a magia do aleitamento materno e a grandeza de cada gesto desde o começo dos tempos:

Obrigada, querida Graça, por nos proporcionar a oportunidade de penetrar nessa sua esfera em que a cultura e o talento andam de mãos dadas. 


Abraços
Olinda Melo
Do Blogue Xaile de Seda, 26 fevereiro 2022