Antígona passou por aqui. Lisboa:
Poética 2021
Três sentimentos incontornáveis na leitura deste
livro
- Intimidade - logo no prólogo misterioso
uma cadeia de vocábulos no labirinto do
texto,
onde soletro a intimidade de tudo o
que amei.
- Ausência de indiferença
- Sofrimento e inconformismo - não apenas
sentir e sofrer, mas gritar!
Como ler poesia?
Tentar descobrir o que levou a Poeta a escrever as
palavras? Cuscar?
Toda a escrita é autobiográfica, mas num sentido
diferente do óbvio: procurar na Poesia não o que sentiu a Poeta, mas o que as
suas palavras nos fazem sentir.
A poesia de GP é tão misteriosa quanto a tragédia
de Sófocles: Antígona e o seu conflito entre a lei divina e a lei humana, ou
entre a ética e a lógica do poder, deram e continuam dar origem a múltiplas
interpretações.
Por exemplo, autores mais retrógrados acharam que o
empenho de Antígona em dar sepultura ao irmão faz dela uma heroína masculina.
Outros acharam que esse empenho, que foi ao ponto da revolta, da desobediência
e do martírio, é um sinal de feminilidade e uma homenagem à sensibilidade e
força da mulher.
A Antígona de Sófocles é a tragédia da maldição e
da ilusão do poder.
E a Antígona de GP?
Já conhecemos, de livros e poemas anteriores, que
GP é tudo menos indiferente ao que a rodeia. Mas este livro não é sobre a crua
realidade do mundo. É mais uma viagem intimista ao passado e ao presente.
Não que o mundo esteja ausente…
Um súbito silêncio, mais que suspeito, encobre a
morte das luas no olhar daqueles que, pela noite dentro, usam a cegueira para
poderem atravessar as estrelas. Existem contornos de liturgia na perturbada
desordem que estilhaça a luz em sua inexplicável inclinação.
É escusado torcer as mãos junto ao caos que nos
circunda quando contracenamos com o cosmos a hierofania consentida em olhos
visionários. (24)
Sobressalto-me com a desordem do meu rosto. Talvez
me seja impossível entender tudo o que é irremediável. Um desafio reencena no
meu coração sem fronteiras um jogo de máscaras sombrias, descarnando até ao
grito a solidão do mundo. A solidão do abandono, da fome, do medo. A solidão
sem fuga, sem endereço. Com sons fúnebres. Com mãos cegamente desvairadas. Com
ruas negras. Com ventos malditos. Sem sobreviventes da desolação e da intriga
tecida pela crueldade. Uma vegetação de mágoas assumindo desastres e demências.
Um porvir aberto à impiedade dos deuses e dos homens, num diálogo de palavras mudas. (51)
Perto do chão há gritos aferrados à vida e à morte.
Há partos e perdas dolorosas. Há o urgente fôlego de cada nascente junto às
pedras com nervuras de erosão e luz a depurar o reflexo da água. Há flores e
bichos. Há raízes de árvores e de plantas e musgo e alfazema e cardos e fenos.
Há campos repousando do cansaço da terra. Perto do chão onde me ajoelho, há o
reino subterrâneo da noite em conflito tenso com o dia, numa dialéctica posta à
prova por olhares videntes. (20)
Em todo o caso, a dura realidade do mundo é neste
livro apenas um pano de fundo. Neste livro, o olhar que predomina é para
dentro. É uma viagem introspetiva, ou, dito de outro modo, uma exteriorização
do interior.
Inevitavelmente, o recurso às memórias, o regresso à infância:
Convoco-me para os lugares da infância, meu paraíso
tão desmoronado, tão precocemente desaparecido. Um anjo austero apoderou-se de
mim enquanto eu escondia nos bolsos os berlindes coloridos.
Quis nascer de novo. Da mesma mãe. Com o mesmo pai.
Mas num tempo sem infâncias desamparadas, sem deuses distraídos na cadência das
horas lentas.
Aprendi que há noites em que as canções de embalar
arranham a garganta das mulheres atentas às sombras espalhadas no coração. (11)
Insinuada na linguagem do sangue, a casa permanece.
Esta, onde entras para te reencontrares. Olhas os móveis. Fitas os olhos no
chão e o soalho range com o aperto do olhar, como um eco dos teus passos.
Demoras te. Entregas-te à irrealidade de pretéritos rumores, ao alarme de uma
distância que não alcanças.
E recuperas o deslumbramento de seres criança e de
saberes que de qualquer janela se pode ver o mar. (37).
No pausado enredo onde absorvo a estranheza de uma
meninice reinventada, irrompem branquíssimos lírios. …
Hoje acordei e voltei a adormecer no teu colo, mãe.
A manhã inclinada nos teus olhos purificou-me a
respiração. Tenho o meu rosto tão perto do teu que, da tua ausência, apenas sei
que é uma estrela a pulsar no firmamento e um fio de luz que procuro em
momentos sombrios.
Pertence-me agora esta solidão de janeiro colada ao
teu silêncio. Guardo no olhar a transparência dos teus olhos, a mitigar-me a
inquietude do coração. Entreteceste em mim todos os gestos do amor. Nunca
indecisos. Nunca minguados. Nunca interrompidos. Sinto que são as tuas mãos que
amparam as sombras que me seguem. (12)
A viagem intimista prossegue. Mãe e filha
separam-se
- Onde estás mãe?
- Tem cuidado contigo. Filha! (14)
E o colo quente da mãe é substituído pelo frio da
cidade:
Avisto-me então em cidades onde as ruas são
ruidosas. Como se fossem caóticos todos os pontos de fuga. Como se aos gestos
de uns se sobrepusessem os gestos dos outros. Sem diálogo. Num enredo em tempo
impreciso. Onde as sombras se tornam turbulentas e precedem, e perseguem, e se
apropriam de outros corpos, extenuados pela manipulação suportada em noites
ameaçadas de vazio. (15)
E aqui, descobrimos a mulher irredutível que não cede ao conformismo.
Nunca aceitei os reveses. Nem é deles que falo
aqui. Aqui, por onde deixo passar antígona: aquela que não aprendeu a ceder aos
desastres, aquela que nasceu para o amor, não para o ódio. (16)
Ajoelho-me na terra, vulnerável e insubmissa. (20)
Mas GP não é Antígona. Apenas a deixa passar,
apenas se identifica com a opção pelo amor.
Ah, sim o Amor! É o tema primordial deste livro,
que nos brinda com as palavras de beleza pura da página 18:
Não esqueço as
noites em que o desejo doía tanto quanto a incontida alegria de um abraço.
Olhar para ti e ver-te melhor dentro de mim. O teu
nome tão intacto no meu nome a devolver-me o verão do teu olhar nascente, onde
me reconheço, presa que fiquei das tuas mãos recolhidas nas minhas.
Falar-te de amor.
Recuar à palavra primordial. Ao gesto terrivelmente
frágil da mais frágil ternura. Engolir o aguaceiro breve dos teus olhos para
degustar a sede. Pronunciar o nome certo até recuperar os dias da paixão. (18)
Ou este verso sublime que vai ficar para as todas
as antologias, da poesia, da psicologia, da cardiologia…
Intermitente, o coração procura no amor o
batimento certo. (27)
O coração é também o motor da escrita:
Com minhas mãos povoadas de acenos, toco a face
intocável das memórias. E escrevo. Escrevo a síntese de íntimos silêncios para
que não se banalize a minha voz diferida. (26)
Semelhante a um primitivo nómada, guardo comigo o
fogo da poesia, para que nunca se extinga e me seja confissão e esconderijo. (45)
A viagem intimista pelas memórias da vida
exprime-se com imagens náuticas. O mar está presente em várias páginas. O mar,
os barcos, a costa, o naufrágio.
O mar ficará também como o fiel depositário das
memórias de uma vida:
Depois de eu morrer haverá o rumor do meu olhar
luzente sobre o mar mais intranquilo.
(36)
Mas este olhar não é o olhar de Antígona. O
propósito é deixar passar Antígona, observá-la e ir mais além.
Não sigo antígona. Interiorizo apenas a inquietante
aflição e a desmesura de um conflito tão tremendo, tão sacrificial. (50)
Escrevo o meu nome sobre o martírio de antígona
para não ser punida por deuses ciosos da minha consciência. (65)
As palavras de GP deixam claro que não quer ser
Antígona.
Rendem homenagem à coerência e ao inconformismo,
mas acrescentam-lhe a recusa do martírio e da rendição.
Se Antígona legou coerência, GP acrescenta-lhe a
resistência.
Não escreve para registar nostalgias, tristezas ou
desencantos, escreve para lhes resistir. Para dizer que a palavra primordial –
o amor – prevalece, apesar de tudo.
xxx
Há uma frase que evolui ao longo deste livro:
Procuro
o lugar onde começa o silêncio
Que silêncio é este?
A morte? (como se diz na página 66)
Será apenas o fim do ruído?
Será, finalmente, a desejada harmonia?
O silêncio das sementes, da melancolia das árvores,
do restolho do trigo, do afago da terra (38)
Será a coerência entre o passado e o futuro?
O alinhamento astral entre o sonho e a realidade?
O silêncio da evasão?
Como
se a linguagem se evadisse na incompletude dos sonhos. (44)
O profundo
silêncio de deus. O celestial silêncio dos anjos (59)?
Este silêncio é tão misterioso quanto a Antígona de
Sófocles, mas GP deixou pistas suficientes para que cada um de nós procure o
seu silêncio.
GP superou Antígona e as controvérsias sobre essa
figura.
Superou a tragédia.
O que lemos neste livro não são palavras de mulher
vítima.
São palavras de mulher vitoriosa.
Mesmo que nos deixe este mistério da decifração do
silêncio.
Mas o mistério faz parte da Poesia.
Carlos Campos
Apresentação do livro, 27 novembro 2021
De Ortografias Outras
Hoje, tempo de trazer a
este espaço, o novo livro de Graça Pires - Antígona Passou Por Aqui.
Recebi-o, da parte da
editora, há dois dias, embora a apresentação da obra tenha ocorrido já no
passado mês de novembro. Sabemos, aqueles que a seguem no Ortografia do
Olhar, que a lemos com regularidade e atenção, que a escrita da Graça Pires não
é uma escrita circunstancial, de registo de momentos, de impressões
conjunturais, mas uma poética pensada, enraizada na História, na Filosofia, nas
Artes. Este livro composto por textos de prosa poética reflete o olhar da
autora sobre temas universais e intemporais como a Vida e a Morte, o Amor, a
Solidão, o Silêncio, abordados numa perspectiva que procura ostensivamente a
revelação e valorização do humano. Por vezes, terra, por vezes, água, vento ou
chama, esta é uma poética que nos leva, de pedra em pedra, pelos
trilhos do pensamento lúcido até às portas da transcendência, através de uma
linguagem poética sensível, concisa e depurada.
Numa análise, por mais
breve que seja, é difícil não esbarrar na importância dada ao Feminino que
emerge a partir da figura da mitologia grega, Antígona, chamada "a passar
por aqui", dando conta dos seus traços de insubmissão perante as leis
terrenas sobretudo se elas interferem com o Amor, (fraterno, neste caso).
Deixo este excerto,
escolhido ao acaso:
Só as mulheres possuem a conivência das águas. Tão atarefadas
sempre, as mãos das mulheres ficam por vezes vazias de afagos, quase ausentes e
indecisas no esboço de desejos sem retorno. É então que aprendem a atear o fogo
com a benevolência debaixo da língua e inventam um alfabeto transparente para
descreverem com detalhe as madrugadas silenciosas.
GRAÇA PIRES, 2021 (p.35), Antígona Passou Por
Aqui, Poética Edições.
Lídia Borges, poeta
Blogue “Seara de versos”,
17 Dez 2021
Minha Amiga e Enorme Poeta,
Acabei de ler o seu novo Livro que me deixou enlevada
pela beleza e profundidade das palavras plenas de poesia, com que vai
percorrendo a sua preciosa vida, tal como um rio que desde a nascente vai
serpenteando vales e montanhas para chegar ao seu destino.
Sabe que não tenho conhecimento suficiente para fazer uma análise como
gostaria.
O que sei é que gostei e muito e fiquei muito impressionada com o rigor das
palavras com que descreve cada situação, que me prendeu à leitura desde o
início ao final do livro.
Muito obrigada, minha Amiga Poeta, por me proporcionar ler tão bela Obra.
Os meus Parabéns e votos de muito sucesso. Bem merece.
Aproveito para lhe desejar e a sua Família um bom 2022, com muita paz e saúde.
Grande beijinho.
Ailime
Emília Simões, poeta
E-mail, 30 dezembro 2021
Novo ano, novos apegos literários.
No canto das leituras, vejo-me feliz
quando as páginas inspiram uma constante vontade de seguir em frente.
Lançado em novembro do ano passado, com
a chancela POÉTICA GRUPO EDITORIAL, «ANTÍGONA PASSOU POR AQUI» com a assinatura
da amiga que estimo e muito admiro Graça Pires, trouxe-me um reflectir da
inquietude constante de quem desafia o mundo das artes, e assina com orgulho os
projectos nascentes.
Graça Pires um autora já com alguns
prémios literários, escreve num abrir desafiador - "Procuro o lugar onde
começa o silêncio".
O código convite leva-nos a traços
culturais com uma dimensão apelativa e multiplicadora de reflexões atraentes.
- "No lado mais vulnerável da
noite, onde me perco, sei que perto de um abismo se pode enlouquecer."
Continuando este mar de surpresas,
" Só as mulheres possuem a conivência das águas", traduz junto dos
leitores uma interrogação constante de momentos de poesia lançada em parágrafos
de prosa, e esculpida com perfeição definidora.
- "Continuarei a definir o exíguo
espaço de uma errância no culto da palavra."
Graça Pires escreve em olhares surpresa,
monólogos sensíveis ou diálogos de odores pessoais e intemporais, mas sempre
realistas na identificação do "eu" desejo, quero e posso definir o
acto de cumprir elos personificados, e cumpridores do acto de escrever.
- "Divago na conflitualidade dos
conceitos para ficar homónima dos versos, para me legitimar no poema."
Fica o convite de uma leitura do novo
projecto literário de Graça Pires - «ANTÍGONA PASSOU POR AQUI».
José Luís Outono, poeta
E-mail, 2 janeiro 2022
Cara Graça, escrevo-lhe
para lhe agradecer a sua escrita no seu último livro,
a sua poesia há muito tempo
que me parece muito depurada. Alguma vez falei com o Victor que seria justo que
tivesse mais reconhecimento, mas o importante é esse amor que dedica a escrita
e a poesia.
Queria-lhe dizer que de
alguma maneira, algumas das ideias do seu livro conectavam com os poemas
que eu estou a escrever, um poemário que se intitula "LENGUA
MATERNA", por isso decidi que a citação que vai abrir o livro será, esta:
Tenho no rosto as marcas da memória e debaixo
da língua as palavras maternas com que aprendi
a nomear a vida.
Estou muito contente com a
leitura, espero que o meu livro possa sair este ano e poder-lho enviar. Estes
dias vou tentar algum poema seu para o catalão,
um grande abraço e espero
que tudo estiver bem,
José Ángel Garcia Caballero, poeta
E-mail 18 janeiro 2022
Fiquei devendo comentários
sobre seu livro, que li há algumas semanas. A sua prosa é tão poética quanto
seus versos, e encontro nela não só o mesmo encanto, mas uma sonoridade ou
musicalidade muito especiais que estão em tudo o que escreve, sendo isso obtido
de maneira ao mesmo tempo mágica e espontânea, sem recorrer a artifícios como
rimas ou aliterações.
De todas suas obras com que
me presenteou, “Fui quase todas as mulheres de Modigliani” é minha favorita,
seja pela originalidade da proposta quanto pelo resultado, além de ter como
referência retratos de um dos meus artistas preferidos. Mas “Antígona Passou
Por Aqui” é pródiga em maravilhas. Seria difícil selecionar alguma passagem
como a mais encantadora nessa sucessão de páginas que surpreendem por encantos
que se revelam através de paisagens, do mar ou de um universo onde o feminino
impera com delicadeza e profundidade, em reminiscências e emoções que
transgridem o silêncio com sutileza.
Porém, entre tantos
momentos de sonho neste livro, não há como não salientar este fragmento, da
página 16, que é um dos momentos de lirismo mais lindos que encontrei nessa
minha extensa vida de leitor:
“Agora, neste flagrante momento da memória, recordo o teu vestido branco
estampado de malmequeres.
O dia abria-se sempre inteiro no teu corpo, onde a adolescência ainda breve
te concedia a leveza das crianças e dos pássaros.
Sei que é primavera quando os teus cabelos esvoaçam no desalinho da
lembrança e o grito das flores irrompe das árvores em que balouçavas com
alegria.
Sei o teu nome porque danças sobre o meu nome.
Sei onde moras porque o coração estremece quando te pressinto.”
Você diz “Há sempre o mar a cercar meus poemas, eu sei.” Eu afirmo que
todas suas palavras estão ilhadas pela beleza.
Abraços.
José d'Angelo, poeta
E-mail 18 janeiro 2022
Querida Graça,
Nos últimos dias tenho andado a ler o seu livro,
"Antígona passou por aqui". Finalmente! Devo terminar a leitura entre
hoje e amanhã, mas quis vir já dizer-lhe o que tenho sentido em relação a esta
sua obra.
Tenho sido guiado pela Voz que dita cada verso, como se
fosse Perséfone que, no Submundo, sabe que já findou o tempo das flores,
restando-lhe a memória da luz. Ou como se fosse Ariadne, a que não teme a
escuridão do labirinto por saber como a enfrentar, pois está munida de um
fio-guia. Os poemas deste livro remetem-me para estas narrativas mitológicas e
arquetípicas, de mulheres que transitam no fio da navalha, como a própria
Antígona. Vozes de quem caminha no centro, resistindo à tensão eterna entre a
luz e as trevas, mas que não se deixam vencer quando sabem que terão de
transitar pelo rigor da escuridão. Vozes que sabem forjar o seu próprio
caminho. Único e inimitável. O livro traz-me uma voz de profunda soberania, não
a soberania secular, sujeita às oscilações do tempo. Refiro-me à soberania
primordial, a que é nossa por direito de nascimento, de quem é senhor e senhora
de si. A soberania concedida pela Terra. E sinto, ao ler estes poemas, que este
caminho (e caminhos) de que nos fala a Voz, é um caminho que se tornou sagrado,
seguindo literalmente a etimologia da palavra "sacrifício": nada nele
foi dado ou gratuito, foi percorrido sob o peso de muitas escolhas, de muitas
recusas, de muita solidão. Mas é isso que lhe dá força e que o torna
irrepetível, pois é real, cru, verdadeiro. A verdadeira soberania é sobre
caminhos como este.
Gosto também das referências às mulheres, às mães, à Terra,
do antigo conhecimento do sagrado da Mater, da Voz que se revela como
sacerdotisa guardiã dos Mistérios. Há neste livro, como em nenhum outro que li
seu, uma marca profunda pagã, ancestral, telúrica, ainda que guiada por anjos,
por vezes.
Sinto muita proximidade e familiaridade com este seu
livro. Tem sido muito comovente lê-lo, muito forte! Chego a ler cada texto três
vezes de seguida e preciso de parar várias vezes, tal a força das imagens.
Acho que posso dizer que é o seu melhor livro, de todos os que já li. Obrigado
por esta dádiva, obrigado por ter criado uma obra tão bela e inspiradora. Lê-la
é um exercício de aprofundamento interior e de expansão da Visão. E da escuta.
É sempre um privilégio e um maravilhamento lê-la, querida
Graça! Mais ainda, é um privilégio ter-me cruzado consigo, e agradeço muito à
teia da vida por nos irmos escrevendo e encontrando. Gosto muito de si!
Um abraço enorme, esperando que nos possamos encontrar em
breve,
Samuel Pimenta, poeta
E-mail, 21 fevereiro 2022
tão desmoronado, tão precocemente desaparecido.
Um anjo austero apoderou-se de mim enquanto eu
escondia nos bolsos os berlindes coloridos.
Quis nascer de novo. Da mesma mãe. Com o mesmo
pai. Mas num tempo sem infâncias desamparadas,
sem deuses distraídos na cadência das horas lentas...
Procuro definir o eixo doloroso do espaço seguido
por antígona, feminina e livre, até à transgressão mais
tangível de um mundo nocturno.
Ela não chorou. Não dramatizou o lamento. Não
implorou aos deuses qualquer auxílio. Ela ficou
isolada, agarrada à compaixão sentida, em total
solidão. Lançada na treva, levou nos cabelos a
grinalda de uma morte ausente da morte: antinomia
alucinante, a antecipar a perda do paraíso. ...