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sábado, 7 de maio de 2022

A INCIDÊNCIA DA LUZ

 


A incidência da luz. Fafe: Labirinto, 2011

Como se fora um prefácio

Incidente a LUZ_______________esta a de Graça Pires. a que desafia o medo e aguça a claridade. são verbos de um verbar nu despojadamente construtivista como se fora um género tranquilo onde o lírico vestisse a imagética depuradíssima. lavrada diria.
são minúcias túrgidas levantadas do chão que nos surgem em afagos. como se nos questionasse mil vezes de quantas cores somos quando desfatigados leitores a percorremos em todas as cores.
e passamos do rubro ao cinza e deste ao negro e ao azul profundo
que amassa o amarelo e recupera o branco sempre numa dança plasticamente viva vibrante e virtuosamente clássica. uma outra versão de ser-se "gregoriano" e essência.  este livro de Graça Pires é mais tela e colina narradora que livro apenas. abre-se e entramos num círculo caleidoscópico empurrados e levados na vertigem de sons escritos que nos outorgam a ideia original de leitores. dançantes. enérgicos e expectantes. porque é de todas as cores que esta incidência nos desenha o olhar. como se fossemos velas atravessadas da voz clara. claríssima. de uma mulher protagonista de vários hinos e mãe de toda a luz.

este meu estar aqui não é um olhar crítico cheio de "parábolas" mecanizantes ou um rosário de teorias congeladas em sinopses ou metalinguagem árida. será antes um estar de encanto face ao encantamento que se sente latejar na bainha das palavras desta poesia que é voo seguro rumo ao centro de uma verdade hoje tão pouco paisagem. mais cenário.

e a Graça Pires é de uma referência toda ela luminosa. entra-se no livro e tudo é cheiro forma música cor ventre tecto e coração. não há palavras a mais. não há sombras. nem artifícios.

tudo integro. inteiro. trabalho da alma. não dos falsos brilhos. aqui nesta incidência só brilha um discurso helénico. e a natureza cai-nos toda de página em página. fruto maior de saber ser poesia. _______________________

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proponho-vos uma navegação ao centro da terra. magnifico verbar este. o de Graça Pires.

Isabel Mendes Ferreira, poeta

Prefácio do livro, março 2011









Antecipando a minha gratidão pelo convite da estimada Graça Pires para escrever o posfácio deste livro, direi que a “luz” cai sobre mim ao ler estes poemas. Ler, no contexto de um livro de poesia, adquire um significado que ultrapassa o simples exercício de interpretação do que está escrito, na medida em que também inclui, para o leitor, o acto fundamental de se interpretar a si próprio, durante o processo de leitura.

Veja-se, pela ordem do livro, o primeiro e último versos escritos: “são de granito cinzento as cúpulas dos templos antigos / convocando a pureza das sombras”, imagine-se o caminho interior que a poeta terá percorrido, quanto do seu universo pessoal terá partilhado, quanto do seu espírito ficcional terá investido, e sinta-se em cada palavra, e igualmente em cada silêncio, cada uma das emoções presentes ou suscitadas.

Certamente que encontramos nestes versos uma Mulher, permitam-me escrevê-lo assim, com a maiúscula não da palavra, mas da pessoa, desde logo no poema primeiro deste livro, falando daquelas que “cozinhavam devaneios”, e poderemos assim abrir a porta da sua alma, e a porta da nossa alma, pois que a magia deste livro reside em transformar o acto solitário da leitura numa rara partilha entre o leitor e o poema.

“Com as mãos inchadas percorrem o corpo todo para que o fogo e as cinzas se confundam com a solidão”, diz-nos Graça Pires, e fala-nos também de si, no fundo de todos nós, e do que profundamente caracteriza a natureza humana, confirmada depois pela minúcia do “inventário dos sonhos”, que é afinal o que nos salva dos “fantasmas do passado”, e nos permite vermos ao espelho o que está oculto dentro de nós.

“Como se aprisionasse o tumulto das cores na intimidade da tela”, assim a poeta nos aprisiona à leitura, e é tão engenhosa a sua escrita que chega mesmo a colocar-nos perto dos nossos medos, mas com a doce face coragem, tornando um eventual perigo num momento de aprendizagem e descoberta, que nos faz conscientemente acreditar, e até desejar que, na realidade, “nos deslumbramos com a proximidade do abismo”.

A presença de palavras criteriosas como “passos em falso”, “luto”, “culpa” e “solidão”, simbolizam o quanto de imaterial somos, revelando, por um lado, o espaço da igualdade que nos liga e é comum, mas, por outro lado, porém, Graça Pires demarca-se dessa unidade, distinguindo-se ao afirmar sem dúvida: “sobre o chão da página me debruço e me procuro”, que é talvez a sua confissão mais pessoal e secreta.

Creio ser possível a um bom leitor abrir e folhear este Incidência da luz em qualquer momento da sua vida e proporcionar-lhe desde logo o reconhecimento de uma parte da sua própria estrutura emotiva, quando confrontado com a densidade imagética das palavras, nomeadamente quando lê (e se revê) nos versos: “tenho a mente propícia aos perigos nocturnos”, e “regressamos em sobressalto aos lugares da infância”.

São também usadas imagens poéticas que pertencem ao nosso quotidiano, como a do “post-it colado na mesa a dizer amo-te”, ou a das “cartas de amor amarelecidas”, mas quase imediatamente dá-se uma espécie de correcção de grau literário, em que as palavras deixam de ser as nossas habituais e se projectam num tempo único só acessível à autora, quando está “em redor da noite perseguindo as mínimas variações da luz”.

Há ainda breves apontamentos familiares (“Maio é o teu mês, filha”), que nos levam para um campo etéreo de feminilidade (“o duelo das pernas: corças descomandadas / no ventre das chamas”), transportando-nos devagar, como se o papel fosse um tecido levemente bordado de ternura, para um lugar onde a sensualidade é a ordem poética desejável, “quando, a meia voz, / me falas do chamamento do corpo”.

A poeta diz-se “rendida ao néctar” de uns “lábios claramente incendiados / nas primeiras águas”, em que os elementos (fogo e água) se tornam um só, transtornando visivelmente a fórmula química, e permitindo, com isso, uma imagem de grande beleza fotográfica. E veja-se como logo a seguir repete a beleza, que aliás atravessa todo o livro como uma outra “incidência”, quando diz “possuímos uma nudez que sangra”.

É uma poesia que encontra no mundo os afectos primordiais “o voo das gaivotas / encheu-me de sal os lábios e a língua”, por um lado, e “procuro o teu abraço”, por outro, explorando depois a ferida causada pelo cansaço e pelo abandono, “quando as palavras / ardem como chagas”, estabelecendo assim a ponte necessária e irreversível da trajectória que todos contemplamos: “esgota-se em cada dia / a viagem do tempo”.

“Quase nada sei a meu respeito”, revela Graça Pires, desconcertando-nos com a modéstia, que é porventura a sua maior virtude. E com esta humildade tenta “seguir as pombas que invadem as cidades”, num voo tão alto e resplandecente que leva “o fascínio da luz a incidir nas hastes mais altas”, e gostaria aqui de sublinhar a palavra “luz” e o verbo “incidir”, enquanto referências directas ao título deste livro.

É por tudo isto um livro para “guardar no interior das mãos”, e onde “talvez existam anjos”. É um livro que me faz, com frequência, citar a poeta e desejar que os poemas sejam, se não o forem já, entidades orgânicas vivas, cujo pulsar e cuja semente fértil derramam na leitura a mescla sensorial que poucos autores ousaram atingir nas letras, alguns deles devidamente referenciados por Graça Pires ao longo do livro.

São muitos os momentos em que se verifica uma feliz escolha de palavras, eu diria que tal acontece em todos os momentos, “quando as árvores celebram / a lenta penetração das chuvas”, “quando a efemeridade do crepúsculo / rasga devagar o coração dos prados”, e quando, em cada nova cor que nos é apresentada, da paleta de cores que inicialmente nos foi prometida, se abre novamente o horizonte pleno da leitura.

“Há muito que partiram os caminhantes”, e partimos nós também pelas páginas deste livro, “que retorna em cada primavera”, “com o passo vigilante de quem foge”, e assim se sucedem intermitentemente as tentativas de aproximação e de afastamento da poeta que une e silencia as palavras e os medos “sobre a imperfeição de cada instante” e nos faz, quais “aves marinhas” sentir a leveza e a transparência das coisas puras.

“Respiramos devagar o sopro errante do vento”, sufocando na nitidez da noite”, e guardamos “junto ao coração estas palavras”, até que irrompa em nós “o penitente jogo da paixão e da morte”. É maravilhoso e indizível como podemos acompanhar esta poesia verso a verso com serenidade, permitindo-nos uma paz há muito procurada, em que a voz da poeta se confunde com a nossa e com a música de “Bach” ao fundo.

É, no entanto, quebrada em alguns instantes a tranquilidade destas águas, quando advém “a turbulência das marés”, ou quando se ouvem “os sinos a rebate”, mostrando a preocupação estética com o texto, permitindo assim ao leitor sentimentos que não só os de acalmia e ânimo, mas também, nestas subtis ocasiões, a introdução de imagens que o surpreendam e ergam de uma possível atonia que até então os poemas lhe causassem.

E por isso “ficámos perto do lume” dos poemas, e estar perto deste calor que emana dos poemas é estar perto da poeta, num sítio mágico “onde a ácida solidão das letras” “e a geometria das tábuas repete” “as aparas da luz coada pelo vão da escada”. E naturalmente sorrimos e acenamos ao livro, estreitando cada vez mais o contacto “onde a água e o fogo”, elementos novamente e sempre juntos “anunciam a sede” humana.

“Como se não fossem perversos / os desígnios da morte”, e “uma explosão sobrevoa a vigília do olhar”, são imagens cujo efeito mais sombrio é confrontado com “o colorido dos diospireiros”, e com “o tom das tangerinas”, e com “uma pequena laranja incendiada”, fazendo então incidir a luz deste livro sobre todos nós.

 

Alice Macedo Campos, poeta

Posfácio do livro

(Nota: este texto não segue as normas do acordo ortográfico)








Este momento é um engano. :))))

Eu não sou a pessoa certa para fazer a apresentação desta luz incidente ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­_____________:)

Convidada pela Graça aceitei escrever o prefácio. Fi-lo com todo o prazer. espero que vos seja ponto de partida para um olhar. outro. mais adentro. e que a Graça não fique desapontada.

como todos sabemos o livro só se cumpre na leitura dos outros. são eles que acrescentam e dão â forma que o autor desenhou como esquisso interior da alma escrevente.

a escrita da Graça é o resultado de um trabalho de ourives.

raro na sua presença escultórica onde somos levados pelo joeirar preciso e precioso da palavra a cada verso mais pura límpida e depurada.

é um livro que chega carregado de luz serenidade e saber.

é um livro lapidado

que levanta do chão da alma a poeira.

e desta faz casa. iluminada.

a luz da Graça não se confunde. reconhece a forma das coisas e levanta o véu. e por lá ficamos. legentes de um mundo onde a facilidade não entra.

Como digo no prefácio a Graça é de uma referência toda ela luminosa.

entra-se no livro e tudo é cheiro forma música cor ventre tecto e coração.

não há palavras a mais. não há sombras. nem artifícios.

tudo íntegro. inteiro. trabalho de alma. não de falsos brilhos.

[…]

 

Isabel Mendes Ferreira, poeta

 

Apresentação do livro, 19 março 2011











Vila Nova de Gaia, 01 abril 2011

Cara Amiga Graça Pires:

Atrasei-me no agradecimento que lhe devo. A sua “Incidência da luz” chegou-me há já alguns dias, mas só agora pude abrir o livro e auscultar as suas pulsações.

Como em outros livro seus (penso especialmente no último: “O silêncio: lugar habitado”), a linguagem adensa-se, aqui, em torno de palavras-chave, “luto”, “culpa”, solidão” (esses que “não sabemos como evitar”).

Diria, por outro lado, que a respiração dos poemas, ganhou segurança, consistência, no voo largo que a anima. Depois, estes poemas cheiram a terra, a húmus, a menta e a malvas, além de outros aromas que a memória olfactiva carrega consigo. Por fim, atravessando o espaço e o tempo, eis que surge, como um segredo há muito anunciado e agora revelado “a hora dos naufrágios” e, pairando sobre a sombra dos dias “os perversos desígnios da morte”.

Livro denso, estimulante, este seu, que oferece parecer-me, o melhor de si, da sua poesia.

Bem-haja, e uma braço amigo do

 

Albano Martins, escritor







Um livro por semana

21 anos depois da sua estreia com “Poemas” (1990) que foi Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores em 1988, Graça Pires (n. 1946) retoma algumas linhas de força da sua poesia.

Por uma lado a no múltiplo o olhar da mulher na luz do Mundo:

«As paredes das casas com marcas de fumo / guardaram-lhes os gritos quando queimaram / as cartas de amor e o alecrim para afastarem / os fantasmas do passado parados à beira da insónia».

Por outro lado, a Cultura revendo o modo como a Arte lê a Vida e a Humanidade: Auden, Conrad, Van Gogh, Astor Piazzola, Kieslowski, Matisse, Thomas Mann, Gauguin e Bach.

No intervalo que separa a luz, vida e alegria do luto, culpa e solidão, o poema inscreve no seu articulado a explicação da vida que vence a morte: «Vejo uma cruz. / Um homem. / Uma túnica rasgada. / Uma coroa de espinhos. / Um rosto com sangue pisado. / O suplício das mãos amarradas ao madeiro.»

José do Carmo Francisco, poeta

“Gazeta das Caldas”, agosto 2011





Gosto deste livro por diversas causas. É uma constante na tua poesia a naturalidade, própria das conversações. Nesta ocasião passeias pelo quotidiano através da familiaridade da luz e os poemas surpreendem, pois se detêm nesses aspectos nos que às vezes não reparamos por comuns. E aí descobrem-se os nossos medos: ”um exílio começa no ferrete dos lábios”; “um duplo estremecimento lateja nos espelhos como sombras insinuadas no eixo da luz” É como se nomeasses as cores do exilo, da solidão, mas há uma procura de nós próprios, da nossa Ítaca: “Viajo com a respiração do mar agarrada ao tecido do peito”; “amo as açucenas na branquíssima vertigem do princípio do mundo”. Procuras essas regiões da luz que são a paisagem do nosso estado de ânimo, da nossa relação com o mistério: “Possuímos às vezes um modo exagerado de coleccionar fantasmas... “ A maioria das vezes consegues esse encontro subtil com a palavra. Parabéns, é um livro muito acalmado e com um olhar muito meditado, obrigado!

José Ángel García Caballero, poeta

E-mail, 24 agosto 2011






Voces actuales de la poesía portuguesa: un encuentro con A incidência da luz de Graça Pires

En varias ocasiones, he comprobado que el mejor indicio de la repercusión que una literatura determinada tiene en la sociedad es la variedad de títulos que podemos encontrar en los estantes de una librería. Así de cotidiano y de fiable. En el caso de la poesía portuguesa, tan cercana geográficamente a nosotros, casi gemela, esta ecuación puede aplicarse y llegaremos a un resultado nada sorprendente: una presencia tímida y segura en sus títulos. La poesía portuguesa se encuentra en España amparada casi siempre por la perpetuidad exitosa de los clásicos: Camões, las obras completas de Pessoa, algunos hermosos vestigios de Eugénio de Andrade, mínimos latidos del saudosista Teixeira de Pascoaes y de la delicadeza herida de Florbela Espanca. Muy poco de Manuel Alegre, al igual que muy poco de Sophia de Mello y Jorge de Sena. Siempre existe alguna sorpresa, pero ese sentimiento siempre será una excepción.

Tan lejos y tan cerca, a la vez. Y esa lejanía entristece, porque Portugal posee voces que embellecen la poesía, su existencia. Más allá del magnífico y enigmático Fernando Pessoa, más allá de su fantasma múltiple y perfecto, hay poetas que siguen dignificando la poesía en portugués.

En mis numerosos viajes a Lisboa he tenido la oportunidad de acercarme al latido tranquilo y rítmico de la poesía portuguesa contemporánea. Durante mis paseos por librerías lisboetas como la hermosa y culturalmente activa “Fabula Urbis” de la rua Augusto Rosa -regentada por un hombre sabio y agradable como es João Pimentel-, la librería “Portugal” del Chiado o las más comerciales –pero no peores- como “Bulhosa” de Campo Grande, he podido encontrar poetas de peso, de verso redondo, poéticamente habitables: la silenciosa voz de Cristovam Pavia (1), la cristalina presencia de Albano Martins, el sobrecogedor abandono trascendente y melancólico de Ruy Belo o el ritmo hilado de Manuel Gusmão, entre otros. Esta lista podría alargarse infinitamente. Por ello, me centraré en dos libros que vieron la luz en Portugal en la editorial Labirinto en 2010 y 2011: Regresso (2010) (2), de Victor Oliveira Mateus (Lisboa, 1952) (3) y A incidência da luz (2011) (4), de Graça Pires (Figueira da Foz, 1946) (5).

En A incidência da luz de Graça Pires todo se desvela a través de la luz. La luz es la que moldea con sigilo la existencia, la verdadera realidad que emana de los objetos y de la naturaleza para crear poesía

En A incidência da luz de Graça Pires todo se desvela a través de la luz. La luz es la que moldea con sigilo la existencia, la verdadera realidad que emana de los objetos y de la naturaleza para crear poesía. Y es que la poesía no es un ejercicio literario, tampoco una confesión, para Graça Pires. Es su manera de encontrarse en el nombre de las cosas, en su verdadero nombre: “La luna casi llena acentúa el ladrido de los perros / en patios donde crecen desordenadamente las retamas. / Un doble estremecimiento palpita en los espejos como sombras insinuadas en un haz de luz (…)”. Todo en este libro es luz que cae sobre el mundo para desvelarlo, para hacerlo reconocible y parecido a la tierra perdida. Es en ese punto donde la voz poética inicia una búsqueda –que a veces es regreso, también- hacia la restauración. Pero no hay restauración sin desnudez previa, sin blancura ciega que nada identifica. Como en Sophia de Mello, para alcanzar su pertenencia al mundo ha de olvidar la mácula del mundo. Su utopía es la belleza de las cosas intocadas, originarias. Como una hermosa ruina griega, el paso del tiempo se torna certeza de existencia, permanencia de algo que fue puro y sigue ahí, esperando a que una voz la nombre. Igual que en Epidauro –ese lugar encomendado a Asclepio, dios de la medicina - la voz se prolonga en un eco para llegar a nosotros sanadora, también síntoma de la enfermedad de lo perdido. Así la limpieza en el verso de Graça Pires. Al acercarme a esta incidencia, a esta luz moldeada igual que una escultura de Camille Claudel, supe que había una palabra que era previa e innombrable. Esa palabra es la que llevó a construir el templo, pero no es el templo.

Esa palabra moldeó cada figura de Claudel.

 

La vida es un viaje sensitivo y eso se siente en este libro con fuerza y contacto. Pero también hay cierta celebración de encuentro con la vida, cierto poso órfico que recuerda el renacer del dios en la tierra, como Dionisos: “cuando todos los árboles celebran en las entrañas / de la tierra la lenta penetración de las lluvias”. Desde abajo hacia arriba –o al revés, quién sabe- aparece la vida. Con ese movimiento heraclitiano y rilkeano el verdor se aparece en el poeta, nuevo, viviente. De ahí emerge hasta el poema para entrar en contacto con la luz que la moldee y con el daimon que la comunique con su origen de silencio: “La túnica violeta se desesperaba de ser ángel / en mi cuerpo de niña”.


Pero, mirando más al fondo de este libro, vemos que ese emerger de la naturaleza para regresar a ella (6) también nos está desnudando el proceso de escritura. Esa palabra originaria no es más que la verdadera poesía que existe desde que el poeta existe. La voz poética reconoce, sin embargo, que esa palabra sólo se escribirá bajo su forma imperfecta: “Cuando la aurora comienza a disipar / las tinieblas en la palidez de la tierra / avanzamos con la argucia de la palabra sobre la imperfección de cada instante”. El mundo dejó de ser puro para poder ser nombrado. La luz de la aurora consigue dar el nombre, pero no la perfección del origen, del paraíso del que la voz fue expulsada. Ni tan siquiera la muerte es un lugar desvelado: “Poseemos a veces un modo exagerado / de coleccionar fantasmas / por saber que la muerte / nunca se deja ver completamente”.

 
Al fin y al cabo, este libro es una celebración de encuentro sensitivo, de búsqueda con la palabra curativa que se disemina en el aire, en el agua, la tierra y el fuego. Hermoso equilibrio, renacida cadencia que recuerda la inocencia del mundo.

[…]

 

Marta López Vilar, poeta, viernes, 01 de julio de 2011

Do Blogue “Ojos de Papel”





A incidência da luz: algumas palavras.

A incidência da luz, livro de poemas de Graça Pires, surpreende o leitor pelo esmero de a poeta conduzir, num mesmo plano de trabalho, cores e palavras. Num “gesto arriscado”, Graça penetra a paleta das cores , pinça a luz para transformá-la em reflexos coloridos de emoções: sãos instantes de certezas e desconfortos, paixão e lágrimas, descobertas e saudade. Mais do que dar sentido às palavras, com ousadia, a poeta agrega na composição o artifício básico do desenho e da pintura – a luz e a sombra. O olhar sensível e a mão hábil encontram a matéria-prima necessária para dar forma e volume à palavra/imagem .

No papel, os resíduos do cinza revelam o tempo consumado, evocam as tristezas antigas amordaçando a alma. É o desenho de partículas calcinadas no gesto das mulheres que Fazem minuciosamente o inventário dos sonhos /esmagados na lembrança e/ou o sombrear meticuloso, este que dá forma, revelando com o claro e o escuro a coragem das que conhecem a inutilidade das facas no veio do pranto.

O tom negro, sombrio,  distribuído em porções medidas, mostra o traço firme de quem tem a exata noção do tempo pulsante, que indiferente à dor, crava suas garras negras e não nos permite evitar o luto, ou a culpa, ou a solidão.

Na página/tela, a cor da terra fértil, do ouro reluzente pré-anuncia a mais expansiva das cores – o amarelo. Por ser mais próxima da luz, esta cor produz uma impressão calorosa e agradável. Na pintura, sua função é iluminar e ativar a imagem. No verso de Graça, o amarelo rompe a parede de sombras e por meio de seus reflexos possibilita o instante de  exila(r) o pranto, reinventar os gestos, mesmo que monótonos,  preparar as cores vivas na paleta e utilizá-las com vigor.

As próximas pinceladas priorizam a cor vermelha – símbolo fundamental do princípio da vida. Na matiz dos tons, delineiam-se a febre da paixão, o vinho que sacia a euforia da sede, o carmim das buganvílias, o caldo rubro dos morangos e das romãs a escorrer nos lábios junto ao mel dos frutos. Veja-se nestas imagens a plasticidade de uma tela composta à luz da paixão além dos gestos possíveis.

Na maestria da composição, o azul, a mais profunda, imaterial, fria e pura das cores, suaviza o viço da paixão e abre espaço para penetrar o outro lado do espelho: a ausência, o vagar, a procura e o vazio de quem cansa os olhos, buscando avistar na imensidão azul do mar, o rosto de quem partiu. E, novamente, Graça supera-se nas imagens – as figuras femeninas de Matisse, os miosotis, o filme de Kieslowski, o pássaro, a pedra, o papel, a blusa, a luz. No esboço azul transluz o sentimento de inquietação, ternura e nostalgia.

A teia da construção no livro da autora de Ortografia do olhar  aprimora as pinceladas e o branco revela-se. W. Kandinsky, ao exprimir-se sobre a cor branca, fala que ela, muitas vezes, é considerada uma não cor e que a mesma produz sobre nossa alma o mesmo efeito do silêncio absoluto. Cada cor, diria o pintor, tem a sua própria qualidade e determina uma impressão particular. Desta forma, na paleta/livro,  o instante abriga a luminosidade branca como uma evocação do silêncio, mas um silêncio prenhe de murmúrios, segredos, desejos... É a incidência da luz banhando a essência poética que transparece nos versos:  a claridade das mãos de minha mãe; o fascínio da luz a incidir nas hastes mais altas; guardar no interior das mãos /  a esquiva cintilância das manhãs irradiadas.

Van Gogh exprimiu por intermédio do vermelho e do verde as terríveis paixões humanas. Na tela/livro o verde de Graça reencarna a sua simbologia – a imagem das profundezas e do destino (os olhos verdes de meu pai herdou-os a minha irmã). É o tempo marcado da natureza que se reinventa em exuberância verde e não nos fala de seus segredos, apenas faz-se seiva, dá continuidade à vida.

No esmerar da composição, o tom rosa mais o azulado fundem o lilás. Seguro um marcador lilás para desenhar um barco/ qua agarre a alvorada em seu instante breve. Ao desenhar o barco, Graça perpetua, pelo traço definido, a retenção do instante, este que conserva os aromas, as matizes, a certeza do eterno retorno. E dá continuidade aos “gestos arriscados” Há muito que sabemos como é intocável a luz / do orvalho na raiz da mágoa.

A poeta, envolta em sentimentos, imprime novo colorido à composição e em largas pinceladas dá vazão à cor roxa. Ela explode intensa, exorcisando os pressentimentos, as sombras, os medos, esconjurando os sustos. Instante de carregar o traço, impor a expressão, de olhar a sombra sem medo do luto.

Não é no fundo claro que Graça pinta/escreve. Não imita a arte dos artistas antigos, como por exemplo Leonardo da Vinci, entre outros, que, sobre uma grossa camada de gesso aplicado sobre o linho ou a madeira, desenhava o contorno e a imagem era colorida com preto ou marrom. À poeta interessa o borrão, o toque áspero da espátula reinventando a crosta castanha da terra, aceitando o ostracismo onde a ácida solidão das letras / exprime e trai gestos de raiva.

Com fartas pinceladas, generosos lances de cores variando do marron ao laranja, Graça concretiza a composição. A tela se faz palavra, a palavra se faz imagem: As palavras penetram o espaço e o tempo./ Amadurecem em papel de seda, / manipulando a cor, ateando o silêncio, / incediando as cinzas, anunciando a luz.

Como numa pintura de Gauguin, Graça reúne em a Incidência da luz dois momentos de arte plena: pintou com cores berrantes as palavras/imagens de uma natureza desassossegada pela avalanche dos sentimentos e, com total sinceridade, desenhou a palavra com requintes de quem conhece a pureza das cores, a vulnerabilidade dos sentimentos, a transparência da luz – a poesia.

Cleri Aparecida Biotto Bucioli, poeta

São Carlos, dezembro/2011