A
incidência da luz. Fafe: Labirinto, 2011
Como se fora um prefácio
Incidente a LUZ_______________esta a
de Graça Pires. a que desafia o medo e aguça a claridade. são verbos de um
verbar nu despojadamente construtivista como se fora um género tranquilo onde o
lírico vestisse a imagética depuradíssima. lavrada diria.
são minúcias túrgidas levantadas do chão que nos surgem em afagos. como se nos
questionasse mil vezes de quantas cores somos quando desfatigados leitores a
percorremos em todas as cores.
e passamos do rubro ao cinza e deste ao negro e ao azul profundo
que amassa o amarelo e recupera o branco sempre numa dança plasticamente viva
vibrante e virtuosamente clássica. uma outra versão de ser-se
"gregoriano" e essência. este livro de Graça Pires é mais tela
e colina narradora que livro apenas. abre-se e entramos num círculo caleidoscópico
empurrados e levados na vertigem de sons escritos que nos outorgam a ideia
original de leitores. dançantes. enérgicos e expectantes. porque é de todas as
cores que esta incidência nos desenha o olhar. como se fossemos velas
atravessadas da voz clara. claríssima. de uma mulher protagonista de vários
hinos e mãe de toda a luz.
este meu estar aqui não é um olhar
crítico cheio de "parábolas" mecanizantes ou um rosário de teorias
congeladas em sinopses ou metalinguagem árida. será antes um estar de encanto
face ao encantamento que se sente latejar na bainha das palavras desta poesia
que é voo seguro rumo ao centro de uma verdade hoje tão pouco paisagem. mais
cenário.
e a Graça Pires é de uma referência
toda ela luminosa. entra-se no livro e tudo é cheiro forma música cor ventre
tecto e coração. não há palavras a mais. não há sombras. nem artifícios.
tudo integro. inteiro. trabalho da
alma. não dos falsos brilhos. aqui nesta incidência só brilha um discurso
helénico. e a natureza cai-nos toda de página em página. fruto maior de saber
ser poesia. _______________________
_____
proponho-vos uma navegação ao centro da terra. magnifico verbar este. o de
Graça Pires.
Isabel Mendes Ferreira, poeta
Prefácio do livro,
março 2011
Antecipando a minha gratidão pelo convite da
estimada Graça Pires para escrever o posfácio deste livro, direi que a “luz”
cai sobre mim ao ler estes poemas. Ler, no contexto de um livro de poesia,
adquire um significado que ultrapassa o simples exercício de interpretação do
que está escrito, na medida em que também inclui, para o leitor, o acto fundamental
de se interpretar a si próprio, durante o processo de leitura.
Veja-se, pela ordem do livro, o primeiro e último
versos escritos: “são de granito cinzento as cúpulas dos templos antigos /
convocando a pureza das sombras”, imagine-se o caminho interior que a poeta
terá percorrido, quanto do seu universo pessoal terá partilhado, quanto do seu
espírito ficcional terá investido, e sinta-se em cada palavra, e igualmente em
cada silêncio, cada uma das emoções presentes ou suscitadas.
Certamente que encontramos nestes versos uma
Mulher, permitam-me escrevê-lo assim, com a maiúscula não da palavra, mas da
pessoa, desde logo no poema primeiro deste livro, falando daquelas que
“cozinhavam devaneios”, e poderemos assim abrir a porta da sua alma, e a porta
da nossa alma, pois que a magia deste livro reside em transformar o acto
solitário da leitura numa rara partilha entre o leitor e o poema.
“Com as mãos inchadas percorrem o corpo todo para
que o fogo e as cinzas se confundam com a solidão”, diz-nos Graça Pires, e
fala-nos também de si, no fundo de todos nós, e do que profundamente
caracteriza a natureza humana, confirmada depois pela minúcia do “inventário
dos sonhos”, que é afinal o que nos salva dos “fantasmas do passado”, e nos
permite vermos ao espelho o que está oculto dentro de nós.
“Como se aprisionasse o tumulto das cores na
intimidade da tela”, assim a poeta nos aprisiona à leitura, e é tão engenhosa a
sua escrita que chega mesmo a colocar-nos perto dos nossos medos, mas com a
doce face coragem, tornando um eventual perigo num momento de aprendizagem e
descoberta, que nos faz conscientemente acreditar, e até desejar que, na
realidade, “nos deslumbramos com a proximidade do abismo”.
A presença de palavras criteriosas como “passos em
falso”, “luto”, “culpa” e “solidão”, simbolizam o quanto de imaterial somos,
revelando, por um lado, o espaço da igualdade que nos liga e é comum, mas, por
outro lado, porém, Graça Pires demarca-se dessa unidade, distinguindo-se ao
afirmar sem dúvida: “sobre o chão da página me debruço e me procuro”, que é
talvez a sua confissão mais pessoal e secreta.
Creio ser possível a um bom leitor abrir e folhear
este Incidência da luz em qualquer
momento da sua vida e proporcionar-lhe desde logo o reconhecimento de uma parte
da sua própria estrutura emotiva, quando confrontado com a densidade imagética
das palavras, nomeadamente quando lê (e se revê) nos versos: “tenho a mente
propícia aos perigos nocturnos”, e “regressamos em sobressalto aos lugares da
infância”.
São também usadas imagens poéticas que pertencem ao
nosso quotidiano, como a do “post-it
colado na mesa a dizer amo-te”, ou a
das “cartas de amor amarelecidas”, mas quase imediatamente dá-se uma espécie de
correcção de grau literário, em que as palavras deixam de ser as nossas habituais e se projectam num
tempo único só acessível à autora, quando está “em redor da noite perseguindo
as mínimas variações da luz”.
Há ainda breves apontamentos familiares (“Maio é o
teu mês, filha”), que nos levam para um campo etéreo de feminilidade (“o duelo
das pernas: corças descomandadas / no ventre das chamas”), transportando-nos
devagar, como se o papel fosse um tecido levemente bordado de ternura, para um
lugar onde a sensualidade é a ordem poética desejável, “quando, a meia voz, /
me falas do chamamento do corpo”.
A poeta diz-se “rendida ao néctar” de uns “lábios
claramente incendiados / nas primeiras águas”, em que os elementos (fogo e
água) se tornam um só, transtornando visivelmente a fórmula química, e
permitindo, com isso, uma imagem de grande beleza fotográfica. E veja-se como
logo a seguir repete a beleza, que aliás atravessa todo o livro como uma outra
“incidência”, quando diz “possuímos uma nudez que sangra”.
É uma poesia que encontra no mundo os afectos
primordiais “o voo das gaivotas / encheu-me de sal os lábios e a língua”, por
um lado, e “procuro o teu abraço”, por outro, explorando depois a ferida
causada pelo cansaço e pelo abandono, “quando as palavras / ardem como chagas”,
estabelecendo assim a ponte necessária e irreversível da trajectória que todos
contemplamos: “esgota-se em cada dia / a viagem do tempo”.
“Quase nada sei a meu respeito”, revela Graça
Pires, desconcertando-nos com a modéstia, que é porventura a sua maior virtude.
E com esta humildade tenta “seguir as pombas que invadem as cidades”, num voo
tão alto e resplandecente que leva “o fascínio da luz a incidir nas hastes mais
altas”, e gostaria aqui de sublinhar a palavra “luz” e o verbo “incidir”,
enquanto referências directas ao título deste livro.
É por tudo isto um livro para “guardar no interior
das mãos”, e onde “talvez existam anjos”. É um livro que me faz, com
frequência, citar a poeta e desejar que os poemas sejam, se não o forem já,
entidades orgânicas vivas, cujo pulsar e cuja semente fértil derramam na
leitura a mescla sensorial que poucos autores ousaram atingir nas letras,
alguns deles devidamente referenciados por Graça Pires ao longo do livro.
São muitos os momentos em que se verifica uma feliz
escolha de palavras, eu diria que tal acontece em todos os momentos, “quando as
árvores celebram / a lenta penetração das chuvas”, “quando a efemeridade do
crepúsculo / rasga devagar o coração dos prados”, e quando, em cada nova cor
que nos é apresentada, da paleta de cores que inicialmente nos foi prometida,
se abre novamente o horizonte pleno da leitura.
“Há muito que partiram os caminhantes”, e partimos
nós também pelas páginas deste livro, “que retorna em cada primavera”, “com o
passo vigilante de quem foge”, e assim se sucedem intermitentemente as
tentativas de aproximação e de afastamento da poeta que une e silencia as
palavras e os medos “sobre a imperfeição de cada instante” e nos faz, quais
“aves marinhas” sentir a leveza e a transparência das coisas puras.
“Respiramos devagar o sopro errante do vento”,
sufocando na nitidez da noite”, e guardamos “junto ao coração estas palavras”,
até que irrompa em nós “o penitente jogo da paixão e da morte”. É maravilhoso e
indizível como podemos acompanhar esta poesia verso a verso com serenidade,
permitindo-nos uma paz há muito procurada, em que a voz da poeta se confunde
com a nossa e com a música de “Bach” ao fundo.
É, no entanto, quebrada em alguns instantes a
tranquilidade destas águas, quando advém “a turbulência das marés”, ou quando
se ouvem “os sinos a rebate”, mostrando a preocupação estética com o texto,
permitindo assim ao leitor sentimentos que não só os de acalmia e ânimo, mas
também, nestas subtis ocasiões, a introdução de imagens que o surpreendam e
ergam de uma possível atonia que até então os poemas lhe causassem.
E por isso “ficámos perto do lume” dos poemas, e
estar perto deste calor que emana dos poemas é estar perto da poeta, num sítio
mágico “onde a ácida solidão das letras” “e a geometria das tábuas repete” “as
aparas da luz coada pelo vão da escada”. E naturalmente sorrimos e acenamos ao
livro, estreitando cada vez mais o contacto “onde a água e o fogo”, elementos
novamente e sempre juntos “anunciam a sede” humana.
“Como se não fossem perversos / os desígnios da
morte”, e “uma explosão sobrevoa a vigília do olhar”, são imagens cujo efeito
mais sombrio é confrontado com “o colorido dos diospireiros”, e com “o tom das
tangerinas”, e com “uma pequena laranja incendiada”, fazendo então incidir a
luz deste livro sobre todos nós.
Alice Macedo Campos, poeta
Posfácio do livro
(Nota: este texto não segue as normas do
acordo ortográfico)
Este momento é um engano. :))))
Eu não sou a pessoa certa para fazer a apresentação
desta luz incidente _____________:)
Convidada pela Graça aceitei escrever o prefácio.
Fi-lo com todo o prazer. espero que vos seja ponto de partida para um olhar.
outro. mais adentro. e que a Graça não fique desapontada.
como todos sabemos o livro só se cumpre na leitura
dos outros. são eles que acrescentam e dão â forma que o autor desenhou como
esquisso interior da alma escrevente.
a escrita da Graça é o resultado de um trabalho de
ourives.
raro na sua presença escultórica onde somos levados
pelo joeirar preciso e precioso da palavra a cada verso mais pura límpida e
depurada.
é um livro que chega carregado de luz serenidade e
saber.
é um livro lapidado
que levanta do chão da alma a poeira.
e desta faz casa. iluminada.
a luz da Graça não se confunde. reconhece a forma
das coisas e levanta o véu. e por lá ficamos. legentes de um mundo onde a
facilidade não entra.
Como digo no prefácio a Graça é de uma referência
toda ela luminosa.
entra-se no livro e tudo é cheiro forma música cor
ventre tecto e coração.
não há palavras a mais. não há sombras. nem artifícios.
tudo íntegro. inteiro. trabalho de alma. não de
falsos brilhos.
[…]
Isabel Mendes Ferreira, poeta
Apresentação do livro, 19 março 2011
Vila
Nova de Gaia, 01 abril 2011
Cara
Amiga Graça Pires:
Atrasei-me no agradecimento
que lhe devo. A sua “Incidência da luz” chegou-me há já alguns dias, mas só
agora pude abrir o livro e auscultar as suas pulsações.
Como em outros livro seus
(penso especialmente no último: “O silêncio: lugar habitado”), a linguagem
adensa-se, aqui, em torno de palavras-chave, “luto”, “culpa”, solidão” (esses
que “não sabemos como evitar”).
Diria, por outro lado, que
a respiração dos poemas, ganhou segurança, consistência, no voo largo que a
anima. Depois, estes poemas cheiram a terra, a húmus, a menta e a malvas, além
de outros aromas que a memória olfactiva carrega consigo. Por fim, atravessando
o espaço e o tempo, eis que surge, como um segredo há muito anunciado e agora
revelado “a hora dos naufrágios” e, pairando sobre a sombra dos dias “os
perversos desígnios da morte”.
Livro denso, estimulante,
este seu, que oferece parecer-me, o melhor de si, da sua poesia.
Bem-haja, e uma braço amigo
do
Albano Martins, escritor
Um
livro por semana
21 anos depois da sua
estreia com “Poemas” (1990) que foi Prémio Revelação da Associação Portuguesa
de Escritores em 1988, Graça Pires (n. 1946) retoma algumas linhas de força da
sua poesia.
Por uma lado a no múltiplo
o olhar da mulher na luz do Mundo:
«As paredes das casas com
marcas de fumo / guardaram-lhes os gritos quando queimaram / as cartas de amor
e o alecrim para afastarem / os fantasmas do passado parados à beira da
insónia».
Por outro lado, a Cultura
revendo o modo como a Arte lê a Vida e a Humanidade: Auden, Conrad, Van Gogh,
Astor Piazzola, Kieslowski, Matisse, Thomas Mann, Gauguin e Bach.
No intervalo que separa a luz,
vida e alegria do luto, culpa e solidão, o poema inscreve no seu articulado a
explicação da vida que vence a morte: «Vejo uma cruz. / Um homem. / Uma túnica
rasgada. / Uma coroa de espinhos. / Um rosto com sangue pisado. / O suplício
das mãos amarradas ao madeiro.»
José do Carmo Francisco, poeta
“Gazeta das Caldas”, agosto 2011
Gosto deste livro por diversas causas. É uma constante na tua poesia a
naturalidade, própria das conversações. Nesta ocasião passeias pelo quotidiano
através da familiaridade da luz e os poemas surpreendem, pois se detêm nesses
aspectos nos que às vezes não reparamos por comuns. E aí descobrem-se os nossos
medos: ”um exílio começa no ferrete dos lábios”; “um duplo estremecimento lateja
nos espelhos como sombras insinuadas no eixo da luz” É como se nomeasses as
cores do exilo, da solidão, mas há uma procura de nós próprios, da nossa Ítaca:
“Viajo com a respiração do mar agarrada ao tecido do peito”; “amo as açucenas
na branquíssima vertigem do princípio do mundo”. Procuras essas regiões da luz
que são a paisagem do nosso estado de ânimo, da nossa relação com o mistério:
“Possuímos às vezes um modo exagerado de coleccionar fantasmas... “ A maioria
das vezes consegues esse encontro subtil com a palavra. Parabéns, é um livro
muito acalmado e com um olhar muito meditado, obrigado!
José Ángel García Caballero, poeta
E-mail, 24 agosto 2011
Voces actuales de la poesía
portuguesa: un encuentro con A incidência da luz de Graça Pires
En varias ocasiones, he
comprobado que el mejor indicio de la repercusión que una literatura
determinada tiene en la sociedad es la variedad de títulos que podemos
encontrar en los estantes de una librería. Así de cotidiano y de fiable. En el
caso de la poesía portuguesa, tan cercana geográficamente a nosotros, casi
gemela, esta ecuación puede aplicarse y llegaremos a un resultado nada
sorprendente: una presencia tímida y segura en sus títulos. La poesía
portuguesa se encuentra en España amparada casi siempre por la perpetuidad
exitosa de los clásicos: Camões,
las obras completas de Pessoa,
algunos hermosos vestigios de Eugénio
de Andrade, mínimos latidos del saudosista Teixeira de Pascoaes
y de la delicadeza herida de Florbela
Espanca. Muy poco de Manuel Alegre,
al igual que muy poco de Sophia de
Mello y Jorge de Sena.
Siempre existe alguna sorpresa, pero ese sentimiento siempre será una
excepción.
Tan lejos y tan cerca, a
la vez. Y esa lejanía entristece, porque Portugal posee voces que embellecen la
poesía, su existencia. Más allá del magnífico y enigmático Fernando Pessoa, más
allá de su fantasma múltiple y perfecto, hay poetas que siguen dignificando la
poesía en portugués.
En mis numerosos viajes a Lisboa he tenido la oportunidad de acercarme al
latido tranquilo y rítmico de la poesía portuguesa contemporánea. Durante mis
paseos por librerías lisboetas como la hermosa y culturalmente activa “Fabula Urbis” de la rua Augusto Rosa
-regentada por un hombre sabio y agradable como es João Pimentel-, la librería “Portugal” del Chiado o las más comerciales
–pero no peores- como “Bulhosa” de Campo
Grande, he podido encontrar poetas de peso, de verso redondo, poéticamente
habitables: la silenciosa voz de Cristovam Pavia (1), la
cristalina presencia de Albano Martins, el
sobrecogedor abandono trascendente y melancólico de Ruy Belo o el ritmo
hilado de Manuel Gusmão,
entre otros. Esta lista podría alargarse infinitamente. Por ello, me centraré
en dos libros que vieron la luz en Portugal en la editorial Labirinto en 2010 y 2011: Regresso
(2010) (2), de Victor Oliveira
Mateus (Lisboa, 1952) (3) y A incidência da luz (2011) (4), de Graça Pires (Figueira da Foz,
1946) (5).
En A incidência da luz de
Graça Pires todo se desvela a través de la luz. La luz es la que moldea con
sigilo la existencia, la verdadera realidad que emana de los objetos y de la
naturaleza para crear poesía
En A incidência da luz de
Graça Pires todo se desvela a través de la luz. La luz es la que moldea con
sigilo la existencia, la verdadera realidad que emana de los objetos y de la
naturaleza para crear poesía. Y es que la poesía no es un ejercicio literario,
tampoco una confesión, para Graça Pires. Es su manera de encontrarse en el
nombre de las cosas, en su verdadero nombre: “La luna casi llena acentúa el
ladrido de los perros / en patios donde crecen desordenadamente las retamas. /
Un doble estremecimiento palpita en los espejos como sombras insinuadas en un
haz de luz (…)”. Todo en este libro es luz que cae sobre el mundo para
desvelarlo, para hacerlo reconocible y parecido a la tierra perdida. Es en ese
punto donde la voz poética inicia una búsqueda –que a veces es regreso,
también- hacia la restauración. Pero no hay restauración sin desnudez previa,
sin blancura ciega que nada identifica. Como en Sophia de Mello, para alcanzar
su pertenencia al mundo ha de olvidar la mácula del mundo. Su utopía es la
belleza de las cosas intocadas, originarias. Como una hermosa ruina griega, el
paso del tiempo se torna certeza de existencia, permanencia de algo que fue
puro y sigue ahí, esperando a que una voz la nombre. Igual que en Epidauro –ese
lugar encomendado a Asclepio, dios de la medicina - la voz se prolonga en un
eco para llegar a nosotros sanadora, también síntoma de la enfermedad de lo
perdido. Así la limpieza en el verso de Graça Pires. Al acercarme a esta
incidencia, a esta luz moldeada igual que una escultura de Camille Claudel,
supe que había una palabra que era previa e innombrable. Esa palabra es la que
llevó a construir el templo, pero no es el templo.
Esa palabra moldeó cada
figura de Claudel.
La vida es un viaje
sensitivo y eso se siente en este libro con fuerza y contacto. Pero también hay
cierta celebración de encuentro con la vida, cierto poso órfico que recuerda el
renacer del dios en la tierra, como Dionisos: “cuando todos los árboles
celebran en las entrañas / de la tierra la lenta penetración de las lluvias”.
Desde abajo hacia arriba –o al revés, quién sabe- aparece la vida. Con ese
movimiento heraclitiano y rilkeano el verdor se aparece en el poeta, nuevo,
viviente. De ahí emerge hasta el poema para entrar en contacto con la luz que
la moldee y con el daimon que la comunique con su origen de silencio: “La
túnica violeta se desesperaba de ser ángel / en mi cuerpo de niña”.
Pero, mirando más al fondo de este libro, vemos que ese emerger de la
naturaleza para regresar a ella (6) también nos está desnudando el proceso de
escritura. Esa palabra originaria no es más que la verdadera poesía que existe
desde que el poeta existe. La voz poética reconoce, sin embargo, que esa
palabra sólo se escribirá bajo su forma imperfecta: “Cuando la aurora comienza
a disipar / las tinieblas en la palidez de la tierra / avanzamos con la argucia
de la palabra sobre la imperfección de cada instante”. El mundo dejó de ser
puro para poder ser nombrado. La luz de la aurora consigue dar el nombre, pero
no la perfección del origen, del paraíso del que la voz fue expulsada. Ni tan
siquiera la muerte es un lugar desvelado: “Poseemos a veces un modo exagerado /
de coleccionar fantasmas / por saber que la muerte / nunca se deja ver
completamente”.
Al fin y al cabo, este libro es una celebración de encuentro sensitivo, de
búsqueda con la palabra curativa que se disemina en el aire, en el agua, la
tierra y el fuego. Hermoso equilibrio, renacida cadencia que recuerda la
inocencia del mundo.
[…]
Marta López Vilar, poeta,
viernes, 01 de julio de 2011
Do Blogue “Ojos de Papel”
A incidência da luz: algumas palavras.
No papel, os resíduos do cinza
revelam o tempo consumado, evocam as tristezas antigas amordaçando a alma. É o
desenho de partículas calcinadas no gesto das mulheres que Fazem minuciosamente o inventário dos sonhos /esmagados na lembrança
e/ou o sombrear meticuloso, este que dá forma, revelando com o claro e o escuro
a coragem das que conhecem a inutilidade
das facas no veio do pranto.
O tom negro, sombrio, distribuído em porções medidas, mostra o
traço firme de quem tem a exata noção do tempo pulsante, que indiferente à dor,
crava suas garras negras e não nos permite evitar o luto, ou a culpa, ou a solidão.
Na página/tela, a cor da terra
fértil, do ouro reluzente pré-anuncia a mais expansiva das cores – o amarelo.
Por ser mais próxima da luz, esta cor produz uma impressão calorosa e
agradável. Na pintura, sua função é iluminar e ativar a imagem. No verso de
Graça, o amarelo rompe a parede de sombras e por meio de seus reflexos
possibilita o instante de exila(r) o pranto, reinventar os gestos,
mesmo que monótonos, preparar as cores vivas na paleta e
utilizá-las com vigor.
As próximas pinceladas priorizam a
cor vermelha – símbolo fundamental do princípio da vida. Na matiz dos tons,
delineiam-se a febre da paixão, o vinho que sacia a euforia da sede, o carmim das buganvílias, o caldo rubro dos
morangos e das romãs a escorrer nos lábios junto ao mel dos frutos. Veja-se
nestas imagens a plasticidade de uma tela composta à luz da paixão além dos
gestos possíveis.
Na maestria da composição, o azul, a
mais profunda, imaterial, fria e pura das cores, suaviza o viço da paixão e
abre espaço para penetrar o outro lado do espelho: a ausência, o vagar, a
procura e o vazio de quem cansa os olhos, buscando avistar na imensidão azul do
mar, o rosto de quem partiu. E, novamente, Graça supera-se nas imagens – as
figuras femeninas de Matisse, os miosotis, o filme de Kieslowski, o pássaro, a
pedra, o papel, a blusa, a luz. No esboço azul transluz o sentimento de
inquietação, ternura e nostalgia.
A teia da construção no livro da
autora de Ortografia do olhar aprimora as pinceladas e o branco revela-se.
W. Kandinsky, ao exprimir-se sobre a cor branca, fala que ela, muitas vezes, é
considerada uma não cor e que a mesma produz sobre nossa alma o mesmo efeito do
silêncio absoluto. Cada cor, diria o pintor, tem a sua própria qualidade e
determina uma impressão particular. Desta forma, na paleta/livro, o instante abriga a luminosidade branca como
uma evocação do silêncio, mas um silêncio prenhe de murmúrios, segredos,
desejos... É a incidência da luz banhando a essência poética que transparece
nos versos: a claridade das mãos de minha mãe; o fascínio
da luz a incidir nas hastes mais altas; guardar no interior das mãos / a esquiva cintilância das manhãs irradiadas.
No esmerar da composição, o tom rosa mais o azulado fundem o lilás. Seguro um marcador lilás para desenhar um barco/ qua agarre a alvorada em seu instante breve. Ao desenhar o barco, Graça perpetua, pelo traço definido, a retenção do instante, este que conserva os aromas, as matizes, a certeza do eterno retorno. E dá continuidade aos “gestos arriscados” Há muito que sabemos como é intocável a luz / do orvalho na raiz da mágoa.
A poeta, envolta em sentimentos, imprime novo colorido à composição e em largas pinceladas dá vazão à cor roxa. Ela explode intensa, exorcisando os pressentimentos, as sombras, os medos, esconjurando os sustos. Instante de carregar o traço, impor a expressão, de olhar a sombra sem medo do luto.
Não é no fundo claro que Graça pinta/escreve. Não imita a arte dos artistas antigos, como por exemplo Leonardo da Vinci, entre outros, que, sobre uma grossa camada de gesso aplicado sobre o linho ou a madeira, desenhava o contorno e a imagem era colorida com preto ou marrom. À poeta interessa o borrão, o toque áspero da espátula reinventando a crosta castanha da terra, aceitando o ostracismo onde a ácida solidão das letras / exprime e trai gestos de raiva.
Com fartas pinceladas, generosos lances de cores variando do marron ao laranja, Graça concretiza a composição. A tela se faz palavra, a palavra se faz imagem: As palavras penetram o espaço e o tempo./ Amadurecem em papel de seda, / manipulando a cor, ateando o silêncio, / incediando as cinzas, anunciando a luz.
Como numa pintura de Gauguin, Graça reúne em a Incidência da luz dois momentos de arte plena: pintou com cores berrantes as palavras/imagens de uma natureza desassossegada pela avalanche dos sentimentos e, com total sinceridade, desenhou a palavra com requintes de quem conhece a pureza das cores, a vulnerabilidade dos sentimentos, a transparência da luz – a poesia.
Cleri Aparecida Biotto Bucioli, poeta
São Carlos, dezembro/2011