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sexta-feira, 8 de abril de 2022

QUANDO AS ESTEVAS ENTRARAM NO POEMA

 


Quando as estevas entraram no poema. Sintra: Câmara Municipal, 2005


As palavras em jogo

 “Quando as estevas entraram no poema”, de Graça Pires, venceu o Prémio Oliva Guerra de 2004, da Câmara Municipal de Sintra. Numa trajectória pessoal que já se afirmou no panorama da poesia portuguesa, este recente livro vem confirmar a altíssima qualidade da sua escrita.

Neste livro é a respiração do Alentejo: «Para lá do tempo, as mulheres medem, / caladas, o incessante decorrer dos dias. / Uma certa demência na ponta dos dedos / coalha o leite nas velhas panelas / onde fabricam o queijo fresco / enquanto pelos telhados perpassam / as lembranças de paixões antigas.» Ou ainda o Alentejo noutro poema: «No verão as mulheres caiam as casas e as memórias. / De branco: como as estevas e a lua cheia. / Os seus anseios se espalham, com a brisa /Na quentura das noites. / Por isso conservam no olhar uma inesperada tristeza.»

Entre a Natureza e a Cultura, Graça Pires é uma voz poética original e sensível.

 

José do Carmo Francisco, poeta

“Jornal do Sporting”, abril 2006

 







Graça Pires, minha cara

 

Tenho diante de mim Conjugar afectos, Uma certa forma de errância e Quando as estevas entraram no poema

Você sabe que todo o juízo é subjetivo e, para não fugir à regra, digo o que digo, fiado em meu coração, embora meu coração seja, às vezes, muito traiçoeiro, me pregando peças, O que quero dizer, enfim, é que fiquei muito mais impressionado com o seu último livro. O segundo também me causou muito boa impressão. Vejo dois grandes movimentos em sua poesia: num primeiro caso, em Uma certa forma de errância, como o próprio título sugere, a presença obsedante do nomadismo que leva à solidão, como nos poemas das p. 70 e 71, como o resultado de um mundo sem deuses, em que o homem vive à própria sorte perdendo sempre o pé (p. 26). Vejo também a questão comum em sua poesia, da busca da linguagem ideal para expressar a complexidade da vida, do amor, como no belo poema da p. 14. Em tudo, perpassa a expressão do amor, do erotismo, a lembrar, com as devidas dimensões, os dilaceramentos de numa Florbela Espanca. Já, em Quando a estevas entraram no poema, fiquei impressionado pela quase “objetividade” ou pelo uso daquilo que Elliot costumava batizar de “correlativo objetivo”, ou, seja, o uso de imagens da natureza para expressar estados de alma. Versos como “Neste lugar, onde as giestas / derramam o mel junto aos caminhos”, “os pássaros trancam o verão em suas asas”, “Um barco alado irrompe da noite”, “Vieram os pássaros, como um poema, / em louca cavalgada por paredes de luz”, “Um rio nasce perto dos lábios / de quem improvisa a sede” me tocaram bastante. Gostei imenso de dois poemas “Acordei assustada” e Madrugada de pássaros”, nos quais se verifica essa perfeita homologia entre a imagem solar do verão e a sensualidade. Para a minha sensibilidade, creio que, Quando as estevas entraram no poema talvez seja o seu melhor livro, sem que isso desmereça os demais…

Obrigada por me dar momentos de sensibilidade e beleza. Do seu Amigo depois do mar,

Álvaro Cardoso Gomes, poeta 

e-mail novembro 2007