Quando as estevas entraram no poema. Sintra: Câmara Municipal, 2005
As palavras em jogo
“Quando as estevas entraram no poema”, de Graça Pires, venceu o Prémio Oliva Guerra de 2004, da Câmara Municipal de Sintra. Numa trajectória pessoal que já se afirmou no panorama da poesia portuguesa, este recente livro vem confirmar a altíssima qualidade da sua escrita.
Neste livro é a respiração
do Alentejo: «Para lá do tempo, as mulheres medem, / caladas, o incessante
decorrer dos dias. / Uma certa demência na ponta dos dedos / coalha o leite nas
velhas panelas / onde fabricam o queijo fresco / enquanto pelos telhados
perpassam / as lembranças de paixões antigas.» Ou ainda o Alentejo noutro
poema: «No verão as mulheres caiam as casas e as memórias. / De branco: como as
estevas e a lua cheia. / Os seus anseios se espalham, com a brisa /Na quentura
das noites. / Por isso conservam no olhar uma inesperada tristeza.»
Entre a Natureza e a
Cultura, Graça Pires é uma voz poética original e sensível.
José do Carmo
Francisco, poeta
“Jornal do Sporting”, abril
2006
Graça Pires, minha cara
Tenho diante de mim Conjugar afectos, Uma certa forma de errância e Quando
as estevas entraram no poema
Você sabe que todo o juízo é
subjetivo e, para não fugir à regra, digo o que digo, fiado em meu coração,
embora meu coração seja, às vezes, muito traiçoeiro, me pregando peças, O que
quero dizer, enfim, é que fiquei muito mais impressionado com o seu último
livro. O segundo também me causou muito boa impressão. Vejo dois grandes
movimentos em sua poesia: num primeiro caso, em Uma certa forma de errância, como o próprio título sugere, a
presença obsedante do nomadismo que leva à solidão, como nos poemas das p. 70 e
71, como o resultado de um mundo sem deuses, em que o homem vive à própria
sorte perdendo sempre o pé (p. 26). Vejo também a questão comum em sua poesia,
da busca da linguagem ideal para expressar a complexidade da vida, do amor,
como no belo poema da p. 14. Em tudo, perpassa a expressão do amor, do
erotismo, a lembrar, com as devidas dimensões, os dilaceramentos de numa
Florbela Espanca. Já, em Quando a estevas
entraram no poema, fiquei impressionado pela quase “objetividade” ou pelo
uso daquilo que Elliot costumava batizar de “correlativo objetivo”, ou, seja, o
uso de imagens da natureza para expressar estados de alma. Versos como “Neste
lugar, onde as giestas / derramam o mel junto aos caminhos”, “os pássaros
trancam o verão em suas asas”, “Um barco alado irrompe da noite”, “Vieram os
pássaros, como um poema, / em louca cavalgada por paredes de luz”, “Um rio
nasce perto dos lábios / de quem improvisa a sede” me tocaram bastante. Gostei
imenso de dois poemas “Acordei assustada” e Madrugada de pássaros”, nos quais
se verifica essa perfeita homologia entre a imagem solar do verão e a
sensualidade. Para a minha sensibilidade, creio que, Quando as estevas entraram no poema talvez seja o seu melhor livro,
sem que isso desmereça os demais…
Obrigada por me dar momentos
de sensibilidade e beleza. Do seu Amigo depois do mar,
Álvaro Cardoso
Gomes,
poeta
e-mail novembro 2007